Se um dia a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e/ou a Câmara Municipal de Lisboa fizeram a história de personagens lisboetas dos finais do século XX e que chegaram aos nossos dias o Luís Fernando Lopes vai fazer parte obrigatória no índice. Apaixonado pelo seu «Belém» e pelo Bairro Alto é o «últimos dos moicanos ardinas» das colinas de Lisboa que iam directamente às «Casa da Venda» no Bairro Alto «buscar» os jornais. É uma homenagem atrasada (e muito) mas mais do que justa e merecida ao mesmo tempo que aproveitamos para divulgar as duas edições de autor com as suas «ideias poetéticas»…
O Luís Fernando Lopes editou o seu segundo livro de poemas «O Mundo da minha janela onde Lisboa é a mais bela».
Conheci o Luís quando fui trabalhar para o jornal «A Bola» em 1992, ano dos Jogos Olímpicos de Barcelona, da chama olímpica disparada por uma flecha para a pira e do hino imortalizado pelo dueto Montserrat Caballe e Freddie Mercury.
Todos os dias passava pelo quiosque antes de entrada na Travessa da Queimada e dava uma olhadela na banca dos jornais. Claro que sabia de «cor e salteado» o que vinha na capa de «A Bola» até porque na maior parte das vezes tinha sido minha a responsabilidade da paginação da mesma na noite anterior. Mas sabia sempre bem discutir com o Luís a melhor primeira página dos «três desportivos» e invariavelmente ele argumentava que o seu «Belenenses» nem sequer aparecia…
Foi um vício que me ficou até hoje, olhar para a prateleira dos jornais, onde quer que entre. Sinais dos tempos são cada vez menos os títulos de papel publicados (diários e semanários).
Naquele tempo o Luís partilhava o minúsculo espaço do quiosque com a tia e não «tinham mãos a medir» na venda de jornais e jogos da Santa Casa.
Nunca dei por mal empregue o tempo que «ganhei» com ele a conversar sobre as manchetes dos jornais do dia até porque sempre tive a sensação que ele era um leitor compulsivo de todas as publicações que tinha à venda no seu quiosque.
A sua proximidade às «instalações-mãe» da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa permitiram-lhe ter, até hoje, uma ligação muito pessoal com todos os funcionários da mega-empresa pública.
Com um atraso de que me penitencio dou a conhecer as duas edições de autor de livros de poesia desta personagem que faz parte da história da cidade de Lisboa e, atrevo-me a dizer, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
«O Mundo da minha janela onde Lisboa é a mais bela»
O excelente prefácio filosófico de Pedro Batista-Bastos ao livro «O Mundo da minha janela onde Lisboa é a mais bela» leva-nos por um percurso dialético onde se discute a essência da «alma popular» e do carácter nacional de um povo passando por Fernão Lopes, Luís de Camões, Alexandre Herculano, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão e Eduardo Lourenço. Mais recentemente e para falar de preconceitos sobre o carácter nacional recorda que para Marcelo Rebelo de Sousa somos «bacalhau e Cristiano Ronaldo».
E diz-nos Pedro Batista-Bastos:
«Conheço o meu amigo Luís do seu famoso Quiosque. O Quiosque e ele são uma só entidade. São uma metáfora poética. Foi o quiosque que permitiu ao Luís a distância necessária para ver o Mundo, ver as pessoas, ver a vida.
A Poesia de Luís Fernando Lopes vê Lisboa; o seu tema não é Lisboa, mas como ele a vê. Além disso, a poesia de Luís Fernando Lopes observa e relata uma moral de transformar os males e as injustiças da vida.
Leitor e herdeiro das ideias de Antero de Quental – ou não fosse ele de esquerda – nos seus poemas vemos não só o caos do mundo, mas também a vontade de ordenar…
Por fim, vivemos o momento:
o passado já passou
o presente passa de repente
o futuro ainda não chegou
é esta a vida da gente
o presente é mesmo agora
é neste instante preciso
decide sem grande demora
não te quedes indeciso
porque se pensas em adiar
aquele momento já era
os pressupostos vão-se alterar
porque a vida não espera
medita mas vive o momento
sem grandes hesitações
vive a vida a cem por cento
não te imponhas restrições.»
A terminar Pedro Batista-Bastos deixa-nos um desafio: «Com este convite à vida, expresso neste belíssimo poema “Viver o momento”, vos convido a entrar no mundo do Luís, um mundo onde não só Lisboa, mas toda a vida, se torna mais bela.»
«O Quiosque tem uma janela e eu vejo o mundo através dela»
O livro de poemas de Luís Fernando Lopes, «O Quiosque tem uma janela e eu vejo o mundo atravé dela», teve a sua primeira edição em Fevereiro de 2023, fruto da disponibilidade que os tempos de pandemia lhe proporcionaram.
No prefácio José Manuel Barroso escreveu:
«O escritor Ferreira de Castro chamou a um café do Funchal “a esquina do Mundo”. O Luís Fernando, ao posto de vigia que é o seu quiosque, apelidou-o de “janela do Mundo”. Perfeito.
Sentado no seu posto, apertado entre as paredes do seu hexágono, bloco de notas na mão, ele compõe os seus poemas de amor sobre a cidade, de amor pelas gentes, de amor pelas pedras que são histórias e ecoam passos de várias gerações. E aquela janela, como um grande olho de vidro aberto de par em par, vê o gato Matateu e o cão Romeu e histórias de gaivotas e das antigas varinas, e dos cauteleiros, e dos ardinas, e dos jornais que já são apenas nome de rua…
(… ) Grande a generosidade deste poeta que apesar de confessar ser um fingidor, nas suas máscaras diversas, se nos revela como é: um grande poeta da sua aldeia natal – o Bairro Alto – e da cidade de Lisboa. A sua “barricada” hexagonal tem apenas um nome: poesia.»
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E por tudo isto e também por isto queridos leitores do Capeia Arraiana quando passarem no Largo da Misericórdia, ao Bairro Alto, em Lisboa, espreitem para dentro do Quiosque da Sorte e cumprimentem um lisboeta que «descobriu» as terras da Raia sabugalense.
No Capeia Arraiana quinzenalmente às quartas-feiras.
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«A Cidade e as Terras», opinião de José Carlos Lages
(Fundador e Director do Capeia Arraiana desde 6 de Dezembro de 2006)
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Além de um amigo que tenho desde que me conheço e com o qual partilhei muitas das experiências de vida que hoje me fazem aquilo que sou, o Luís revelou esta bela faceta a Poesia.
Obrigado companheiro por teres feito da minha vida mais rica ao longo destes mais de 60 anos.