O 37.º encontro da associação dos ex-alunos da Escola Apostólica de Cristo Rei decorreu em Gouveia, no último sábado de Junho, como determinam os estatutos, congregando ex-alunos de diversas gerações que frequentaram a Escola Apostólica, oriundos dos distritos da Guarda, Castelo Branco, Viseu e outras localidades do país. (Fotos: António Melo.)

Este ano o Encontro centralizou-se principalmente numa homenagem ao saudoso Padre José Cristino dos Santos Coelho, professor, reitor, assistente na pastoral da saúde, com a tese de mestrado «O Luto – um desafio espiritual e pastoral», apresentado na Universidade Católica, na Faculdade de Teologia, que marcou centenas e centenas de alunos e muitos cristãos.
O Padre José Cristino está bem vivo na memória de todos nós, pela sua sabedoria, humildade, solidariedade, respeito e estima, acompanhando e compreendendo todos os alunos.
A segunda comemoração foi referente aos cinquenta anos das comemorações do 25 de Abril, iniciando-se a assembleia geral exibindo-se um vídeo com várias canções de intervenção, a «Trova do Vento que passa» e «Trás outro amigo também», de Zeca Afonso, cantada e tocada pelo filho do ex-aluno Rui Moura.
Também no hall da entrada da Escola Apostólica foi descerrada uma lápide a recordar o cinquentenário da Revolução de Abril, com um poema de Sophia de Mello Breyner, uma homenagem de gratidão aos Capitães que abriram as portas para celebrarmos a Liberdade e a Democracia.
No início dos trabalhos, Jorge Ferreira, presidente da Assembleia Geral, desejou a todos as boas vindas, salientando a presença de caras novas de ex-alunos, e o ano madrasto, com os falecimentos do Padre José Cristino, alguns alunos e familiares.
Tomou a palavra o presidente da Direcção, António José Machado Ferreira, que recordou os nomes que resistem ao tempo, à crise, aos velhos do Restelo. Trouxe também lembranças de outras épocas, de pessoas, de momentos inesquecíveis… «num saco de saudade não cabe Tanta Vida».
«Hoje continuam a cruzar-se sonhos, esperanças, amizades numa simbiose de vivências, acontecimentos, saudades… lágrimas, medos, cantos, estudos, jogos, passeios e convívios. Fizeram-se grandes amizades que perduraram. Cimentou-se a Fé. Formámos na dimensão humana e cristã para o compromisso para o mundo e a sociedade…
Esta festa anual é sempre um reconhecimento pela formação espiritual, intelectual e humana de tantos e tantos rapazes…. Quantos homens aqui se formaram, especialmente ao longo do século XX, foram assumindo as mais variadas funções sociais, quantos motores de progresso nas comunidades, por vezes em lugares remotos e isolados das nossas serras. Muitos estão longe, outros, não podendo estar presentes, manifestaram a alegria por este acontecimento».
«Precisamos de Caminhos Novos. Precisamos como alguém escreveu de semear futuros», acrescentou ainda.
Seguiu-se uma homenagem a dois ex-alunos, Carlos Cartaxo, com uma dedicação e colaboração quase diária à Instituição e José Pacheco na colaboração na edição do jornal «Caminhos Novos».
No final da Eucaristia, presidida pelo Padre Jacob, foram lembrados todos os ex-alunos, familiares, professores e membros da instituição missionário, com especial relevo para o saudoso Padre José Cristino.
Maria de Jesus Prata Machado considerou… «O Padre, O Professor, O Amigo. Acolhia as famílias dos alunos com simpatia, alegria e disponibilidade. As suas homilias eram momentos de reflexão sobre o quotidiano, sempre a partir de um facto histórico… sempre de esperança e optismo. Cruzámo-nos na Faculdade de Letras de Coimbra, eu caloira e ele veterano, com conversas que versavam temas filosóficos e teológicos. Mais tarde fomos colegas docentes na Escola Secundária de Gouveia, presenciei o seu profissionalismo e profundidade de pensamento. Conversávamos formalmente sobre os desafios do Ensino, mas, ao mesmo tempo, ríamos das coisas mais simples da vida escolar. Assim, se foi construindo uma amizade que perdurou pelo tempo. O Padre Cristino foi um homem bom que passou pelas nossas vidas e nunca será esquecido.»
Recolhi interessantes depoimentos de vários ex-alunos…
– Francisco Fernandes – Dornelas, Aguiar da Beira, vice-presidente daquele município: «Há colegas que não via há quarenta anos. Nesta casa éramos muito criativos em todos os aspectos, o que nos ajudou muito para toda a vida. Partilhávamos estes espaços com muita alegria. Padres que me marcaram pelo mérito merecido e também pelos “castigos”, no meu caso devo ter batido o record na lavagem da louça no refeitório. Saí daqui para entrar e encarar o mundo sem qualquer problema. Nunca tive problemas de integração. De Gouveia saí com força para ser forte por terras da Bósnia e tantas outras como oficial paraquedista. Estive preparado para a Guerra com a Missão de Paz.»
– José Belino – natural de Gouveia: «Sou dos resistentes que entrou na Vila América, onde se instalou durante dois anos a Escola Apostólica. Era o único natural de Gouveia e tinha todas as semanas a visita da minha mãe. Recordo que neste edifício, inaugurado em 1958, havia um barracão para guardar ferramentas, foi colocado um grande cartaz com a fotografia de Humberto Delgado, candidato às eleições, que foi rasgado mais tarde. Este acontecimento deu azo a cenas de pancadaria entre a oposição ao regime e os defensores do Estado Novo. Fui militar em Moçambique, professor, empresário… agora reformado.»
– Pedro Emílio Oliveira – natural de Vila Cova à Coelheira (Seia): «Foi durante cinco anos a minha casa-mãe. Aqui aprendi regras, camaradagem, solidariedade, respeito, confiança, firmeza, componente física em diversas modalidades, troca de experiências, organização em todas as actividades. Esta casa de aprendizagens deu-me bases de humanismo e é um dos pilares da minha vida. Tenho trinta e cinco anos de vida militar com a frequência de diversos cursos de formação. Actualmente com o posto de Major-General, com a missão da ordem e segurança pública, estive a comandar o posto da GNR em Vilar Formoso e outras localidades, em missões de grande responsabilidade de grandes eventos, concentrações e visitas de personalidades a Portugal e serviço em vários países.»
– Rui Magina – natural de São Paio (Gouveia), frequentou a Escola Apostólica de 1965-1972: «A minha formação política começou nesta casa, através de muita leitura na Biblioteca sobre a figura e o exemplo de Willy Brand, na luta contra o nazismo, e ouvindo canções de intervenção, principalmente de Zeca Afonso através do Padre Hans Joseph Klein, de que saliento “Os Vampiros e o Menino do Bairro Negro, sem nunca esquecer, procurar e seguir quanto à formação humana, a Figura de Jesus Cristo, em humanismo, tolerância, solidariedade e respeito pelos outros.” Reformado das profissões de Professor, Advogado e Director do Desenvolvimento do Território do Porto de Lisboa.»
– Carlos Manuel Xavier Dias – natural da Póvoa de Atalaia (Fundão), aluno entre 1970-1975: «Tivemos a sorte de os nossos professores, onde se incluíam senhoras, serem muito progressistas. Recordo o Professor Álvaro, de Ciências Naturais, natural da Torre (Sabugal). Gravava as Conversas de Marcelo Caetano, que comentava criticamente connosco. Dizia-nos para ouvir a Rádio Argel e a Rádio Moscovo.
Dizia-nos que só por dois motivos nos deixava de ensinar, “ou fico doente ou sou preso político”. Tivemos o privilégio de sermos informados, de irmos jogar com diversas equipas, ir ao cinema a acampar.
Íamos às manifestações a Gouveia e subscrevemos uma carta a defender a R.R., que foi lida aos microfones daquela estação radiofónica, em que defendíamos o nosso ideal, as pessoas viverem melhor, em liberdade e democracia.
Em tempos de ditadura viviam-se nesta Casa a Liberdade em diversas vivências, que pós-25 de Abril segundo depoimento de um ex-aluno, António José Ferreira Machado, no livro «TANTA VIDA», em Março de 1971, forças afectas ao P.S., P.C.P. e sindicais, em manifestações intimidatórias queriam-nos “tirar o direito ao espiritual”, mas não conseguiram.»
Neste convívio de 2024, recordámos a vida e obra do Padre José Cristino e os tempos antes e depois do 25 de Abril, numa Escola Apostólica de Cristo Rei, que estava na dianteira do ensino, do conhecimento, da liberdade, da sua defesa e na abertura à sociedade.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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