Fiquei com o meu coração ternurento ao visitar, há pouco tempo, a minha prima Jéssica em Buenos Aires, no bairro chique de Belgrano. Vi-a, pela primeira vez, há vinte anos, na casa de seus pais em Bragado, quando estava no seu terceiro ano da faculdade de Direito na Universidade da capital.




Jéssica – neta da «abueli» Delfina
A Jéssica faz parte da ínclita terceira geração de uns corajosos de Vale de Espinho que nos anos quarenta fugiram da pobreza e decidiram lançar as redes no outro lado do Atlântico. E agora é um prazer constatar o alfobre de diplomados nos mais diversos domínios que são o orgulho dos pais e dos avós que um dia deixaram as rudes terras em torno da Serra da Malcata e da Gata.
Gente corajosa que compreendeu que a única maneira de ascender a uma vida mais digna seria através dos estudos. E esta juventude, já filha de uma geração sacrificada, não se poupou a esforços porque por detrás deste empenho houve também muito suor e muito arregaçar de mangas.
Um dos guerreiros da terceira geração dizia-me há dias que sua avó Delfina, a «Abueli», como todos lhe chamavam, já velhinha, mas com toda a energia, veio de Bragado para Buenos Aires, carregada de mantimentos, pratos e panelas, para fazer de comer ao neto que começava os estudos de engenharia. A «Abueli» empregava todo a sua destreza para levar o seu neto a não vagabundar e levantar-se a tempo e horas para poder estar sempre listo e não faltar às aulas, não lhe faltando o carinho e a ternura de uma avó para lhe dar coragem e lhe mostrar o caminho nos primeiros tempos da sua vida universitária. E o José Adrian, hoje diplomado em engenharia, a trabalhar em Madrid, jamais poderá esquecer o gesto sublime e corajoso desta sua Abueli.
Este José Adrian parece ter herdado a coragem dos seus antepassados, pois orgulha-se já com uma excelente carreira na profissão de engenharia mecânica das eólicas, primeiro na Argentina, depois na Alemanha e agora na Espanha.
Estes rebentos saídos de uma singela família de terras onde cresce barrocos e pedras, são agora dentistas, oftalmólogos, médicos a trabalhar em meios altamente qualificados.
A Jéssica, agora uma excelente advogada em Buenos Aires, por quem eu tive sempre muito carinho, há vinte anos, ainda estudante em direito, foi-nos mostrar a Patagónia, circulando pelas cidades de Comodoro-Ribadavia, Trelew, Rawson, Puerto Madryn, para ver os pinguins e Sarmiento para admirar um bosque petrificado, onde ousou repreender-me por ter escondido no bolso uma pedra de madeira com milhões de anos!
Foi esta mítica viagem que comemorámos há pouco tempo no seu belo apartamento, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires. O seu simpático e caloroso marido, um esbelto Diego portenho preparou-nos um ossobuco que não ficou atrás das preparações dos melhores chefes argentinos.
Da Abueli, ficou a ternura, a coragem, mas também a nostalgia de um punhado de terra que um dia teve de deixar, mas que estava sempre no seu coração e que nunca deixaria de descrever e até de cantar. E a semente fica sempre, pois no decorrer do jantar ainda ouvi à Jéssica a canção infantil, que aprendera ao colo da Abueli e que é tão antiga como as pedras das calçadas das ruas de Vale de Espinho:
Ó Jardineiro, onde vais tão triste?
Diz-me o que foi que te aconteceu?
Foi a Camélia que caiu no laço,
que caiu no laço e depois morreu
Quanto a Jéssica casou, foi com o Diego, o seu gigante marido, passar a lua de mel à Europa e no itinerário tinham previsto, é claro, o lugar mais importante do mundo… Vale de Espinho.
Era inverno. Deram uma volta pelas ruas. Não havia vivalma. Tiraram uma foto à casa onde tinha vivido a Abueli e desceram até ao rio para ver os peixes que a avó não se cansava de lhes descrever porque quando ia lavar a roupa, vinham sempre ter com ela. Trutas já havia poucas nessa altura porque, muito apreciadas na redondeza, os pescadores não se esquivavam à sua faina diário, mas ainda deu para fazer umas fotos e mostrá-las à família, na Argentina.
Sentia-se a amizade, a cumplicidade e a admiração perante a ternurenta criancinha Emma que compreendia toda a nossa alegria, mas não conseguia participar na animada conversa a não ser chorando e agarrando-se aos braços da mamã Jéssica até cair no berço, extenuada, após ter ouvido tanto charabiá do meu «portunholesco».
E o meu primo Jorge Grancho que com grande simpatia me acompanhou para todos os recantos de Buenos Aires, estava admirado desta familiaridade criada pelos laços de sangue, pela admiração e pelo grande carinho com que estava rodeado e que muito me confortou e também apreciei.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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