O dia prometia vendaval. Do lado de Espanha, soprava vento forte e frio. Sobre a Serra da Xalma as nuvens eram de negro chumbo. «Ia nevar», afirmava a minha avó Neves. E eu acreditava, pois ela nunca se enganava. Eu também não me importava muito que nevasse, achava aquele cobertor branco, sobre a aldeia, uma das maiores maravilhas da Natureza. E o frio não era mais insuportável que o frio do sincelo, dizia eu para os meus botões.

Minha avó, levantou a aba do avental e colocou nela uma ramada de carqueja e uns poucochinhos de galhos bem augados e secos. Eram para atear o lume onde, mortiço, já ardia um grande madeiro de carvalho. Além de querer aquecer a casa, precisava de avivar a chama para poupar o azeite da candeia. A tarde ficara mesmo escura e ainda não era a hora de soarem as Trindades.
Valia-lhe a sua Maria, a filha mais nova, que já acautelara as vacas na loja e enchera a manjedoura de feno. De certeza que fora também ao chafariz a encher os cântaros de água, dizia a minha avó. Aquela rapariga nunca parava. Só nunca tivera queda para cozinhar. Preferia um codorno de pão e queijo e roer uma maçã que ter que descascar umas batatas e fazer um caldo escoado, um caldo verde ou uma feijoada. Mas, se se punha a isso, fazia inveja às melhores cozinheiras da aldeia. Assim o diziam as parceiras que lhe vinham ajudar na ceifa do feno e do centeio, na malha do grão, ou mesmo nas tardes das desfolhadas do milho, em que lhe calhava preparar a merenda.
Também a minha tia Maria do Enxido, irmã da minha avó, se aprontou a espalhar milho no curral, para as galinhas se apressarem a comer e irem a empoleirar-se na capoeira. O marrano quase pronto para a matança, ainda teve direito à vianda com farelo, para engordar mais um poucochinho. E a Mimosa que tinha chegado do lameiro já se deitara na cama fofa de «fieitos» cobertos de palha de centeio limpa e seca. O tio iria ordenhá-la só depois do jantar, para não ter de se levantar antes do amanhecer do dia seguinte, para a ordenha da manhã. Assim ela acordaria mais tarde.
Já a tia pegava numas farfalhas da carpintaria para ir «pintchar» o lume e escolhia uns toros grossos que aguentassem um longo serão, quando começaram a cair os primeiros farrapinhos. Foi um ver se te avisas: fechar bem a loja; acarretar mais um braçado de lenha, para a cozinha; acender o candeeiro; correr ao chafariz a encher o cântaro e o jarro do lavatório;…
Quando subia as escaleiras já tinha o lenço e o xale cobertos de neve. Sacudiu-se bem e dependurou o xale no bengaleiro do corredor.
Minha tia vinha com os olhos rasos de lágrimas, que pareciam quererem soltar-se a todo o momento. Ela que tanto se alegrava com a chegada da neve, que teria para estar assim tão calada e triste?! Quando meu tio chegou com mais umas cepas na mão, também reparou naquela tristeza. Ela, então, com a voz embargada confessou que vira o catraio mais velhinho do ti Néi a ir de carrego às costas para a Raia.
Muito penava aquela família! Tão pobrezinhos e sempre com maleitas lá por casa! O ti Néi já não andaria muito tempo por cá! Desde que caíra de um carvalho, nunca mais se «compusera» e a ti Marizé com tanto trabalho e tantas crianças, como se iria aguentar?
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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