A ti Zefa vinha tão «enfadadinha» que parecia já nem levantar bem os pés. Ainda por cima, trazia à cabeça, sobre a molídia, a cesta mesmo, mesmo de «cagulo», com beldroegas para a vianda do marrano, nabos, beterrabas, uma cebola ou duas, um molhinho de espigos e, debaixo do braço, um feixe de ferrã, a foice numa das mãos e o sacho na outra.

Mal avistei a Ti Zefa dei uma corrida e fui ao seu encontro. Tirei-lhe o sacho e a ferrã e corri à frente dela.
– «Ai rábia te pele, cachopa! Atão quando chegaste? Ai mem, que grande estás, Lina! Que saudades eu tenho dos teus abraços! O ti João já te viu? Inda ontem falámos de ti! E…»
Parecia que o cansaço se lhe tinha sumido de todo, com a alegria de me ver.
Também eu tinha muitas saudades dela. Do ti João, do Armindo, do Tó, do Joãozinho. Que era feito de todos eles? Por onde andavam? Que faziam? Eram muitas, muitas as perguntas que quase não nos dava tempo para as respostas. Já todos estavam fora. E o pior é que o Tó tinha saído do seminário e estava mobilizado para ir para o Ultramar. E aí, não conteve as lágrinas. O seu menino iria abalar de novo de casa, mas agora para muito mais longe e por tanto tempo! Quase se esqueceu que eu estava ali, ao concentrar-se nos anseios dos seus pensamentos. Aquele seu rapaz sempre alegre e bem-disposto, tão carinhoso com ela. Para onde iria ele? E se Deus lho levasse lá na guerra?
Nem démos por chegar a casa. Agora a nossa alegria tinha-se transformado em angústia e tristeza.
Nunca tinha visto a minha vizinha tão lavada em lágrimas, como naquela hora. Tantas vezes a vi «consumidinha» por problemas do dia a dia, mas agora era diferente… Era muito diferente! Agora, era a dor de um sexto sentido que uma mãe tem. Era o pressentimento mais doloroso que uma mãe sabe, mas não consegue explicar. Um pressentimento que a levava quase à loucura, sem lhe dar tempo e lugar para pensar na vida rotineira dos seus dias, nem sossego para dormir durante as noites.
Chegámos ao curral. Poisámos o carrego que trazíamos e quedámo-nos sentadas nas «escaleiras» até que o entardecer nos lembrou que havia um jantar por fazer, as pitas já se juntavam para irem acautelar-se no galinheiro e queriam milho…
O toque das Trindades já tinha começado a toar. Era a hora de voltarmos às lides do presente!
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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Antes de entrar, em Mafra no EPI (Escola Prática de Infantaria) o Tó Reino foi professor primário em Aldeia do Bispo de Outubro a Dezembro de 1962, aquando frequentava a 4ª Classe. Em janeiro de 1963 começou a frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), tendo-o concluído em finais de junho de 1963. Veio a ser mobilizado para Angola, como Alferes Miliciano e, infelizmente veio falecer em Janeiro de 1965.