Nos idos de 2013, na minha «gazeta regional» Serra d’Opa, transcrevi uma peça de um livro que deu sempre muito que falar. Tem tudo aí de seguida. Este capítulo é sobre a minha aldeia em 1905… Boa leitura…
Transcrevemos um capítulo do Livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», de Joaquim Manuel Correia, editado em Lisboa, em 1946. Trata-se de uma edição póstuma. O autor nasceu em 1858 e morreu em 1945.
Nota prévia
Ao que me parece, o livro deve ter sido escrito por volta de 1905.
CASTELEIRO
Distante do Sabugal 18 quilómetros, a SO [Sudoeste], é situada a povoação do Casteleiro na margem esquerda da chamada Ribeira da Nave, que ali toma o nome desta freguesia e sobre a qual foi há poucos anos construída uma boa ponte, que liga a estrada do Sabugal a Santo Amaro e Caria, sendo arrematado o lanço de S. Estevam ao Casteleiro em 22-3-1893. Março.
O nome da terra parece ter derivado do facto de ter havido ali e proximidades pequenas fortificações. Diz-se que na Serra das Barrentas que fica próxima existia antigamente uma povoação fortificada, restando dela alguns vestígios, dando-se ao sítio o nome de Sortelha Velha.
Vimos no Casteleiro os vestígios do antigo reduto, junto da velha capela do Espírito Santo e afirmaram-nos que em meados do século passado foram destruídas duas portas que havia na muralha que cercava a povoação.
A atestarem a antigüidade do Casteleiro existem apenas êsses vestígios do reduto e alguns portais e janelas características semelhantes a outras da Vila do Touro e Alfaiates.
A povoação oferece um aspecto pitoresco, devido aos arvoredos que a cercam, viçosas oliveiras, sobreiros e muitas árvores frutíferas, às formosas e ubérrimas várzeas, fertilisadas pela Ribeira da Nave, e às vinhas que enfeitam os campos e que, embora ocupem menor área que antigamente, muito concorrem para a riqueza dos habitantes pelo afamado vinho que produzem, que antes da invasão filoxérica se calculava em 400 pipas.
Depois do vinho o azeite, o centeio, o trigo, a batata, o feijão, grão de bico, frutas e hortaliças, são as principais fontes de riqueza. Há também bons gados lanígero, bovino e caprino.
Está o Casteleiro cercado de elevados montes e serras, ficando perto a Serra de Opa, nas faldas da qual assenta a povoação de Vale de Lobo e a igreja de Nossa Senhora da Póvoa, na encosta meridional da mesma, já pertencente ao concelho de Penamacor.
Para se fazer idéia dos progressos da povoação convém dizer-se que em 1757 tinha apenas 52 fogos e actualmente (1905) 280 e 974 almas.
Até 1855 pertencia ao concelho da Covilhã, passando depois para o do Sabugal. Talvez por ter pertencido àquela vila se explique o facto, afirmado por antigos escritores, de haver ali noutros tempos «grande tracto de panos», o que actualmente não sucede.
Igreja paroquial
Está a igreja ao fundo e ao lado sul da povoação. Parece de moderna construção e é suficientemente espaçosa, tendo também côro, assente em duas colunas graníticas tendo cada uma delas uma pia destinada a água benta. Debaixo do côro está colocada a pia baptismal, a mais simples de quantas temos visto.
Tanto a igreja, como o côro e a sacristia, são da maior sitnplicidade e singeleza de estilo. Devemos, todavia, fazer menção de dois altares de boa talha dourada, o altar-mor e o do Menino Jesus. No primeiro estão expostas as imagens de S. Salvador, orago da freguesia, S. Sebastião e Senhora de Lourdes.
Além destes existem ainda os altares da s.a das Dores, das Almas e de S.to António, sendo os dois primeiros modernos, sem nada terem digno de nota. O últímo tem, contudo, a particularidade rara de ser aberto na parede e ser todo de pedra, colunas, ornatos e o nicho do santo popular.
Ao lado da igreja paroquial está o cemitério, onde vimos algumas campas cobrindo os restos mortais de pessoas ilustres da freguesia.
O rendimento paroquial, segundo as informações dadas pelo respectivo pároco é o seguinte:
Côngrua, 120.000 réis; Pé de altar, 50.000 réis; Baptisados,360 réis; Casamentos, 240 réis; Enterramentos de menores, 110 réis e Bens de alma, 3.000 a 7.000 réis.
O pároco era da apresentação do Vigário de Sortelha, tendo 20.000 réis de côngrua.
Notamos no Casteleiro grande falta de água potável, sendo a fonte ainda das chamadas de mergulho, correndo mui raramente no verão, o que torna as águas impróprias para o consumo, condenadas pelos preceitos higiénicos.
Escolas primárias
Há no Casteleiro uma escola para cada sexo. A do sexo feminino, uma das mais modernas do concelho, esteve alguns anos sem ser provida por motivos políticos.
Quando visitámos um dia o Casteleiro, no lindo palacete, que pertenceu aos falecidos D. Teodora e marido, Dr. Sobral, que foi um dos mais distintos médicos do país, vimos a mobília destinada a essa escola, que devia ser ali instalada.
A do sexo masculino funcionava na sacristia da antiga igreja de S. Francisco, a pequena distância da primeira.
Alguns distintos filhos do Casteleiro
Foi o Casteleiro berço de homens ilustres, por vários títulos notáveis, cuja ilustração e virtudes os tornaram mui conhecidos e estimados.
– Dr. José Augusto Cameira – formado em direito pela Universidade de Coimbra.
– Dr. Manuel Cameira de Gouveia – formado em teologia e orador de justificada fama.
– Cónego D. António Cameira do Sacramento – D. Prior do Hospício de S. Agostinho (crúzios) de Braga e que faleceu no Teixoso.
– D. João Cameira – cónego do Convento de Santa Cruz de Coimbra e falecido em Lisboa.
Mais modernamente são dignos de menção:
– Padre Manuel Figueiredo – que foi pároco nas Quintas de São Bartolomeu, há muito falecido.
– Padre Manuel Fortuna – que poucos anos depois de se ter ordenado sucumbiu aos estragos de uma grave doença.
– Padre Manuel Martins Fortuna – que depois de ter exercido o magistério primário durante muitos anos se jubilou, sendo nomeado pároco encomendado apoz o falecimento doutro filho do Casteleiro que foi o pároco F. Mendes Guerra, tio dos abastados proprietários Manuel Fernandes Mendes Guerra e Joaquim F. Mendes Guerra.
Faremos ainda menção do Padre Francisco de Paula Figueiredo, que foi pároco nas Quintas de São Bartolomeu e depois capelão da Misericórdia da vila do Sabugal, e do abastado proprietário Joaquim Mendes Guerra, brilhante e corajoso jornalista, culto e activo, colaborador de vários jornais de Lisboa e director da «Gazeta do Sabugal», que se publicou há anos.
Pertencem ao Casteleiro os lugares de Valverde, Santo Amaro e Quinta de Santo António. Tem a freguesia sete moinhos e várias quintas.
Santo Amaro
Em 1615 era esta Quinta praso da ordem de S. Bento de Aviz, pertencendo o domínio útil a António Camelo. Pertence actualmente o domínio pleno da Quinta ao Dr. Eduardo Tavares de Melo da Costa Lobo, mais conhecido por Morgado de Santo Amaro, e a seu filho, Dr. Tavares de Melo, notável «sportman».
O Dr. E. Tavares de MeIo da Costa Lobo é filho dum Coronel de Milícias da Covilhã, cujo nome completo nos não ocorre agora.
Formado em direito pela Universiaade de Coimbra, nunca precisou de utilisar-se das cartas por ter avultada fortuna; mas, além de notável «sportman», é artista distintíssimo, sendo digna de visita a sua belíssima vivenda. Os seus trabalhos de torneiro em madeira e marfim são perfeitíssimos, tendo sido premiados em exposições.
Reside ordinàriamente em Coimbra, onde tem um bom palacete. É-nos grato escrever estas singelas palavras de homenagem a um homem ilustrado, que é ao mesmo tempo um artista consumado e um carácter honesto e primoroso, que faz parte dessa galeria de homens ilustres da freguesia do Casteleiro.
A povoação de Santo Amaro era toda foreira (ou paga ainda) ao Sr. Dr. Tavares, que ali tem, além da vivenda, extensas propriedades que deu de arrendamento a longo prazo.
São de notar as saborosas melancias, criadas nesta quinta, sempre as primeiras, maiores e mais saborosas que aparecem à venda nas feiras e mercados dos concelhos limitrofes.
Têm igualmente grande fama os queijos de Santo Amaro.
Na povoação há uma ermida decentemente ornada, onde se venera a imagem de Santo Amaro.
Valverde é outra povoação pertencente ao Casteleiro, donde é natural o distinto médico militar Dr. José da Costa Cameira.
Obrigado por me ler! Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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