Era ainda criança e já era um devoto ao Mártir São Sebastião na minha aldeia raiana, Bismula (Sabugal), onde existe uma Irmandade cujo patrono é esse Santo. Não havia povoação que não tivesse irmãos pertencentes a essa Irmandade com mais de dois séculos de existência.
Como escrevi em diversas crónicas, o culto a São Sebastião era e é naqueles territórios raianos de uma devoção geral, assim como acontece no nosso país, na Europa e nas Américas, principalmente no Brasil, sendo padroeiro do Rio de Janeiro.
A tão vasta extensão do culto, dizem alguns entendidos nestas matérias, deve-se a um jovem soldado martirizado por ser cristão e a sua iconografia representa quase sempre um homem desnudado, cravejado de setas, preso a um tronco. Por vezes aproxima-se de um Cristo Crucificado, onde também intervêm duas mulheres, semelhantes às que estariam no Calvário, e a São Sebastião é atribuído o milagre de salvar vidas, sobretudo durante a peste que assolou Portugal, estabelecendo-se ainda um paralelismo com o Rei D. Sebastião, nascido na mesma data.
O concelho do Fundão tem actualmente trinta e sete lugares de culto, em capelas e igrejas, algumas destruídas, e com as suas imagens distribuídas por várias igrejas paroquiais. São muitas as festividades no concelho do Fundão, com maior destaque para o Escarigo, de que é padroeiro, Póvoa de Atalaia, Janeiro de Cima, Fatela, Soalheira… Na cidade do Fundão, Diamantino Gonçalves apresenta-nos documentos, datados de 5 e 6 de Setembro de 1936, que comprovam, que já se realizariam há muito as Festas em Honra de São Sebastião, e com um vasto programa. Também nas décadas de quarenta e cinquenta do século passado se faziam procissões da Capela para a Igreja Matriz, «onde eram benzidos tabuleiros com pão e distribuídos pelos seus fiéis».
Passados estes longos anos, o Município do Fundão, conjuntamente com a Paróquia, veio renovar esta memória e, no dia 14 de Janeiro, reiniciaram-se estas manifestações religiosas, estas comemorações, com uma Procissão e Cortejo do Pão. A Capela de São Sebastião, do Fundão, é uma construção edificada no último quartel do século XVIII, com as armas da família Vaz de Carvalho, e apresenta caraterísticas de arquitectura barroca regional. Deste local saiu a Procissão com os tabuleiros de pão, oferta de uma panificadora, com destino à Igreja Matriz. Saliente-se que os escuteiros dos Agrupamento do CNE n.º 120 do Fundão e do Agrupamento 1335 de Aldeia de Joanes, não só transportaram o andor da significativa imagem de São Sebastião, como os tabuleiros dos pães, estes marcados com três setas entrelaçadas, com o significado de Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ali foram benzidos e distribuídos a centenas de fiéis. Os responsáveis deram um grande êxito a esta iniciativa, e acordaram que no próximo ano dar-se-á uma nova ênfase.
Jornadas sobre o culto a São Sebastião no Fundão
Nos dias 18 e 19 de Janeiro decorrerem no auditório de «A Moagem» as «Jornadas sobre o Culto a São Sebastião». Coube a sessão de abertura – depois de um momento musical da Academia de Música e Dança do Fundão – ao Bispo Diocesano, que salientou: «A religiosidade e a piedade popular marcam a vida das nossas gentes e é muito louvável esta iniciativa.» Referiu-se a São Sebastião como a um jovem, militar e chefe, que soube escolher caminhos de fidelidade e Fé, desafiando o imperador, sem medo de assumir o seu cristianismo. Destacou ainda que a arte e a cultura popular são uma forma mais genuína de divulgar a mensagem deste santo, valorizando-se ainda as tradições destas terras e destas gentes.
O Presidente do Município do Fundão referiu que «este é um ciclo dedicado ao culto de São Sebastião, convidando para o efeito pessoas muito especializadas e habilitadas nesta matéria, para connosco partilharem».
Contou o processo da publicação do livro, «Clamores a São Sebastião no Concelho do Fundão», da autoria do Prof. A. Cunha e Silva, apresentado nestas Jornadas. Há mais de dez anos cruzaram-se nos Festejos do Bodo, na Póvoa de Atalaia, em honra deste Santo. Teve a oportunidade de lançar o repto ao autor para a elaboração de um estudo sobre esta devoção popular, e essa investigação histórica foi agora publicada, descrevendo o Património Sebastianino no concelho do Fundão. Esta obra é importante para todos, principalmente para as gerações vindouras, pois aqui se cruzam as nossas identidades e culturas religiosas.
Com moderação de Pedro Salvado, Director do Museu Arqueológico do Fundão, os trabalhos sobre os Rituais das Festas de São Sebastião iniciaram-se com Paulo Silveira, com o tema «Mártir São Sebastião do Escarigo (Fundão), padroeiro contra a fome, a peste e a guerra». No Escarigo realizam-se duas festividades, a 20 de Janeiro e no mês de Agosto. Umas festas que estão e permanece na memória colectiva, com a celebração de missa, procissão, sermões, arrematação de ofertas, arraial…
É tão grande a Fé e a devoção a São Sebastião, que durante a Guerra no Ultramar não morreu nenhum militar natural do Escarigo e o sr. Joaquim Costa Peralta mandou construir um monumento em Honra do Santo. Paulo Silveira lançou ainda a interrogação: «Que futuro para o culto popular a São Sebastião?»
Seguiram-se outras temáticas: «Bodos na Religiosidade Popular», de Florentino Beirão, «Mártir São Sebastião, o Santo Máximo da Beira?» e «São Sebastião e as Comidas Santas», de Vasco Teixeira.
As actividades deste dia terminaram com um concerto levado a efeito pelo Coral Alva Canto, de Alvaiázere.
No segundo dia, a grande temática foi «O Discurso Cultural a São Sebastião, nas Artes e na Cultura Religiosa e Popular».
Dora Ivo Rita abordou o tema «São Sebastião por Gregório Lopes – Olhares e Pontos de Vista Históricos», João Azenha Rocha debruçou-se sobre «Mitos, Mordomias e Partilhas nas Festas do Mártir em Barroso», Antonieta Garcia sobre «São Sebastião e os Purim em Terras da Beira», Alfredo Corte Real sobre «D. Sebastião e a Ordem Militar de São Sebastião», encerrando este painel Joaquim Candeias da Silva com «O Culto do Mártir de São Sebastião no concelho do Fundão – uma marca identitária que vem de longe».
Ficámos a saber, segundo documentação apresentada pelo Professor Candeias, que já no século XV existia uma Confraria de São Sebastião em Aldeia de Joanes (Fundão).
Estas jornada terminaram com uma visita à Igreja Matriz do Fundão, à Capela daquele santo e, no Museu Arqueológico do Fundão, foi inaugurada uma exposição sobre o «Tributo a São Sebastião no Fundão e os Bodos, sentidos e sentires».
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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