O pequeno vale que se me oferece, abre-se do apogeu da Serra da Estrela até à urbanidade da cidade da Guarda. Espelha uma súbita extensão de árvores dispersas, cercadas de muros baixos e frágeis estabelecendo um deslumbre pitoresco que franja os verdes das encostas e das baixas.

O passar do tempo espargiu, nos entremontes, algumas casas, sedes de pequenas quintas, que, em tempos, alimentaram a cidade.
Os blocos de apartamentos aproximam-se, curiosos. As vivendas avizinham-se, desgarradas, como que numa vontade mal contida de disputar espaços.
Ainda há vacas castanhas que se apascentam no habitat da montanha. Persistem ovelhas tecendo pintalgados brancos e movediços. Lentamente, elas vão selecionando ervas inverniças, genesis do leite e do queijo da serra.
No auge dos céus e numa clara tentativa de controlar horizontes, planam, de quando em quando, aves de rapina solitárias. Os pardais, mais assíduos e piadores, voam velocidades curtas e rasantes. Os melros, menos numerosos, acoitam-se, cantarolando, entre espessas folhagens.
Mas, o vale de que falo, não é estático. Pelo contrário. É de uma mudança constante. Tem, cada dia, um acordar diferente e segue, no tempo, em permanentes mutações. Reflete, às vezes, o brilho do sol. Outras vezes escurece-se de nuvens. O nevoeiro inunda-o, com frequência, como se, dos seus fundos, quisesse fazer um mar. Quando não, a neblina inventa-lhe formas excêntricas, figuras invulgares. Faz-lhe nascer ilhas que alternam com o que parece ser fumarentas fogueiras e, quando a névoa se ausenta, retornam as humidades das chuvas ou as absolutas brancuras da neve e da geada. Enfim, a Serra permite tudo aquilo que se possa ou queira imaginar
Hoje, enquanto escrevo, posso jurar que se vai enchendo a concavidade do vale. O nevoeiro, escorre da crista dos montes e vai-se vertendo, timidamente, pelas encostas. Mas não há a garantia de que o desnível permaneça inundado. A qualquer momento a névoa pode voltar a elevar-se, a extinguir-se, ou, até, regressar aos pícaros.
Vou, pois, ficar-me, neste início de manhã, na expectativa do que imprevisivelmente virá e, o que for, será, pela certa, diferente de tudo quanto já vi.
Há de compreender, o estimado leitor, esta exaltada curiosidade de contemplar a Serra. De tantas vezes a ver mudar, sempre me parece diferente e é isto que me cativa.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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