O Governo demissionário de António Costa decidiu reformular a sua imagem institucional e o símbolo que o representa nas plataformas e nos documentos oficiais. Substituiu a bandeira de Portugal por um círculo amarelo entre dois retângulos. E apagou do novo símbolo do Governo a esfera armilar e o escudo de Portugal. (Parte 1 de 2.)

A decisão de reformular a imagem institucional e o símbolo da República Portuguesa quase passava despercebida, mas acabou por ganhar volume nas redes sociais e na opinião pública, a partir de novembro passado. O caso conta-se em breves palavras.
Alguns meses depois de ter tomado posse em março de 2016, como primeiro-ministro do seu primeiro governo (comumente designado de «Geringonça»), uma das marcas que António Costa manifestou logo a intenção de deixar para a posteridade foi a mudança do símbolo do Governo. Costa não queria manter a marca herdada do governo anterior de Passos Coelho e resolveu, por isso, substituir no referido símbolo governamental o nome «Governo de Portugal» pelo nome «República Portuguesa».

Acontece que, na imagem institucional e no logótipo do Governo de Passos Coelho, o nome «Governo de Portugal» surgia acompanhado da imagem estilizada da Bandeira Nacional, contendo sobre a linha divisória entre as suas duas cores (verde e vermelha) as armas nacionais, i.e. a esfera armilar e o escudo de Portugal com os setes castelos e as cinco quinas.
Ora, como se disse, uma vez chegado ao poder em 2016, o Governo socialista decidiu mudar a marca «Governo de Portugal» por uma marca dita «mais abrangente» e optou pela marca «República Portuguesa». Ainda assim, a imagem da Bandeira Nacional manteve-se como símbolo governamental até quase ao fim do terceiro governo de António Costa.
Eis senão quando, o atual Governo em Regime de Gestão decidiu que, doravante, esta imagem da Bandeira Nacional (com a esfera armilar e o escudo de Portugal) é pura e simplesmente apagada do símbolo do Governo dando lugar a um círculo amarelo entre dois retângulos – um verde e outro vermelho.

As justificações aduzidas pelo Governo
«É um símbolo novo e distinto, representativo do Governo da República Portuguesa, que responde de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital e por uma consciência ecológica reforçada», explica o Governo de António Costa sobre esta alteração da sua imagem gráfica. Outro objetivo da mudança foi o de tornar a imagem mais «inclusiva, plural e laica».
E o Governo acrescenta: «A transição digital pesou nas contas do Executivo», e, por conseguinte, decidiu «projetar a nova identidade de raiz para ser mais dinâmica e operativa em ambiente digital e, assim, ajudar o Governo a concretizar este eixo programático». Além disso, esta decisão governamental responde à dúvida da relação entre este novo design e o benefício ecológico: «Esta mudança serve de incentivo a centrar toda a comunicação do Governo num ambiente desmaterializado, para evitar a impressão desnecessária de todo o tipo de documentos, estacionário, cartões de visita, entre outros.» Ou seja, o Governo diz que o novo símbolo é mais ecológico porque promove uma menor impressão dos documentos.
No Manual de Aplicação de Identidade Visual do novo símbolo da «República Portuguesa» é explicado que a «referência matricial do símbolo» agora adotado pelo Governo é a bandeira «nas suas cores dominantes e na sua geometria elementar». Assim, lê-se no dito Manual, «os elementos visuais identitários são articulados de forma mais sintética, diferenciada e adaptável às condições da comunicação digital».
Por sua vez, em declarações ao jornal Observador, uma fonte oficial do Gabinete do Primeiro-Ministro respondeu às críticas entretanto surgidas um pouco por todo o País sobre esta alteração gráfica e defendeu que a nova identidade visual do Governo veio «substituir uma imagem criada há 12 anos, que apresentava várias fragilidades, (…) e que representava uma tendência estética da década anterior, que nos dias de hoje criava vários problemas práticos» (sic).
Assim, «a nova marca da República Portuguesa», garantiu a referida fonte do Governo, «não pretende ser uma representação fidedigna da bandeira ou de qualquer símbolo nacional», mas sim uma «estilização visual de elementos identificadores”do Governo da República» (sic).
Segundo a mesma fonte governamental, a nova marca «cumpre escrupulosamente os requisitos estabelecidos no caderno de encargos do projeto encomendado pelo Governo» que, entre outras coisas, «pedia que fosse capaz de identificar inequivocamente o emissor» – Governo –, «através da utilização de elementos inspirados nos símbolos da República: bandeira nacional, esfera armilar ou busto da República» (sic).
A título de informação, acrescente-se que para a criação deste novo símbolo do Executivo, o Governo realizou um «contrato de aquisição de serviços de comunicação e design para o desenvolvimento de identidade visual do Governo, no valor de 74.000 euros». A entidade contratada foi a Studio Eduardo Aires, S.A. tendo-se o prestador de serviços obrigado a criar esta nova identidade visual, «utilizando os conhecimentos técnicos, a diligência, o zelo e a pontualidade próprios das melhores práticas, sob a direção e fiscalização da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros».

Análise
As justificações aduzidas pelo Governo para a alteração da sua identidade visual assentam num conjunto de afirmações manifestamente vazias de conteúdo e até de argumentos ridículos que, como a seguir se procura demonstrar, não cumprem sequer os referidos requisitos estabelecidos no caderno de encargos do projeto encomendado pelo Governo ao designer por si escolhido.
Examinemos, então, um a um, os argumentos invocados pelo Governo de António Costa:
1 – Comunicação digital
Desde logo, a referência à alegada resposta ao «novo contexto da comunicação digital» não se encontra apoiada numa justificação minimamente argumentada e sustentada. E de nada serve, a meu ver, a alegação da fonte do Governo atrás citada de que se trata de uma «estilização visual de elementos identificadores» do Governo da República. Basta olhar sem preconceitos para a nova versão do logótipo do Governo – um círculo amarelo entre dois retângulos – para se concluir que, em matéria de identidade, não se vislumbra nela o menor indício da identificação do Governo da República e ainda menos da identidade nacional, mas que estamos em presença de um design paupérrimo, vazio de sentido e de conteúdo.
2 – Consciência ecológica reforçada
Por outro lado, a justificação de que o novo símbolo responde ao «novo contexto da consciência ecológica reforçada» é um argumento sem a menor consistência e que revela mesmo alguns laivos de ridículo… Na verdade, que tem este novo símbolo a ver com a ecologia? Com a poupança de papel, ou de tinta para imprimir documentos? Será caso para perguntar se o Governo vai, a partir de agora, passar a gastar menos papel, menos cartões, menos formulários, ou menos tinta para imprimir por ter alterado a sua imagem institucional e se passará a haver, doravante, menos desperdício de recursos burocráticos nos gabinetes do Governo e da Administração Pública ou se, pelo contrário, não valerá a pena perguntar quantos milhões de cartões, formulários, painéis e outros artefactos do género irão ser deitados ao lixo para passar a usar a nova simbologia do Governo…
3 – Imagem «mais inclusiva, plural e laica»
Passemos, em seguida, à alegada justificação da imagem «mais inclusiva, plural e laica». Quanto aos argumentos da inclusão e da pluralidade, a resposta parece óbvia. Pergunta-se:
– Será um círculo amarelo entre dois retângulos mais inclusivo e mais plural que o nosso escudo das armas – o mais permanente símbolo de Portugal em todas as bandeiras desde a Fundação da Nacionalidade há cerca de nove séculos e que é o símbolo da própria seleção de Portugal?
– Será o dito círculo amarelo entre dois retângulos mais inclusivo e mais plural que a esfera armilar, que assinala a gesta de Portugal no mundo, a aventura portuguesa dos Descobrimentos e a primeira globalização do planeta?
– Poderá o referido círculo amarelo entre dois retângulos ser considerado como um símbolo da «soberania, independência, unidade e integridade» do País consagradas na Constituição da República Portuguesa?
Quanto à questão de saber, por outro lado, se a nova imagem institucional do Governo é laica, importa chamar a atenção para o facto de se tratar de mais uma ilustração palpável do avanço do movimento woke que tem vindo a ganhar, de forma mais ou menos subreptícia, gradual terreno em Portugal e na Europa e que visa promover entre outras coisas, não só o triunfo da chamada «Teoria do Género» (vejam-se, a este respeito, as leis recentemente aprovadas pela Assembleia da República em matéria de direito de escolha relativamente ao «sexo atribuído à nascença» e de «autodeterminação de género» nas escolas com casas de banho e balneários incluídos) mas também da «Teoria Crítica da Raça», i.e. das lutas das raças e das comunidades que se dizem oprimidas contra o chamado «privilégio branco».
Na verdade, aquilo que o wokismo visa é transformar a história das nações num campo de batalha, promovendo uma luta sem quartel contra os valores da civilização milenar das sociedades europeias.
Esta luta tem progressivamente vindo a manifestar-se em atos de censura, de cancelamento e de negacionismo desses valores nos mais diversos domínios e num combate persistente contra o património histórico, cultural e religioso dos países europeus, designadamente nos media, na literatura, nas indústrias culturais, no cinema, no teatro, nos espetáculos de música, nos manuais de história e no ensino e organização curricular das escolas e das universidades, na arquitetura e na toponímia urbanas, nos monumentos e nas estátuas comemorativas dos antepassados ilustres, e como agora se vê, também no modus operandi do próprio Poder Político.
Não. Eu não vejo nada de inclusivo e plural nesta nova imagem institucional do Governo. E de laico, para além de um incomensurável vazio de elementos identificadores da nossa identidade nacional, nada mais existe que uma obsessão wokista de cancelamento destes elementos identificadores.
Pelo contrário. Há mesmo quem, nas redes sociais e na opinião publicada, veja no círculo amarelo entre dois retângulos a ideia peregrina do culto pagão do Sol ou mesmo quem, com humor mais rasteiro, descubra neste novo símbolo do Governo uma homenagem patriótica ao ovo estrelado…
(Continua.)… [aqui]
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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