Incêndio a bordo… (episódio 5)
O João engraçou com o nome de Jonas que se parecia com o seu. Ouvira contar na catequese na igreja da sua aldeia a história da baleia que engolira Jonas e o vomitara depois na praia.
A sua imaginação levou-o a conceber uma baleia robô que o transportaria no seu ventre até onde ele pretendesse e o largasse logo que ele premisse certo botão. Para que serviria uma baleia robô levá-lo no ventre?
O João era um rapaz condoído com a miséria que via em certas casas da sua aldeia e na que ouvia falar existente em muitos povos sobretudo da Ásia, África e América Latina. Até comprou um mapa para ver onde ficavam esses países. Mas porquê tanta miséria?
Conhecia o fausto em que viviam os americanos e perguntava-se por que eram eles tão ricos. Chegou à conclusão que uma boa parte da sua riqueza lhes advinha da pilhagem da riqueza dos outros países, como o petróleo da Arábia.
Mas, como poderiam eles pilhar essas riquezas sem que os povos os impedissem?
Começou a ler livros que explicavam que os americanos tinham bases militares por tudo quanto era sítio e que derrubavam os governos legítimos de qualquer país que lhes fizesse frente, colocando no poder amigos corruptos que, a troco de dinheiro, lhes permitiam continuar a explorar as suas riquezas. Mais, conseguiam que o dinheiro do petróleo entregue a esses países servisse para compra de armas americanas. Deste modo, matavam dois coelhos de uma cajadada: ficavam com o petróleo e com o dinheiro que deveriam pagar por ele, ainda que a preços injustos. Revoltado ficou ainda com os ataques dos americanos e inglese aos Houtis do Iémen. Não concordava com os ataques dos Houtis aos navios mercantes que rumavam ou desciam o Canal de Suez. Mas alimentava uma certa compreensão por estes actos que pretendiam chamar a atenção para o genocídio em Gaza por parte de Israel que era ajudada pelos americanos, sendo só atacados navios americanos ou israelitas ou que se dirigiam para Israel.
– Tenho de ajudar esses povos a libertarem-se da pilhagem e do jugo dos americanos e do genocídio israelita sobre Gaza – pensou. – Como o posso fazer com a minha baleia robô?
– Já sei. Meto-me na baleia e ela nada comigo dentro até cerca de um porta-aviões americano estacionado na embocadura do Mar Vermelho. Qual cavalo de Tróia oferecido pelos deuses aos troianos, assim os americanos hão-de tomar a minha baleia por um presente caído do céu.
Dito e feito. Meteu-se na baleia no rio Côa e navegou nela até à foz no Douro, saindo quando havia alguma barragem, para logo continuar após a barragem até entrar pelo mar dentro, descendo em direcção ao Algarve. A sua baleia nadava a uns 80 Kms/hora. Entrou no Mediterrâneo até ao Canal de Suez, que o levou ao Mar Vermelho. Na proximidade do porta-aviões os radares deste pressentiram-na e resolveram içar a baleia para o convés. Aí a deixaram de noite. Saíu dela o João e, munido das bombas de fósforo que armazenara no seu bojo, atirou-as para dentro do navio pelas diversas escadas que davam acesso ao convés e uma para dentro da chaminé que vinha dos motores, que paralisaria o movimento do barco. Ouviram-se vários estrondos e o eclodir dum grande incêndio em várias partes do porta-aviões. Os militares, encurralados, não conseguiram furar as chamas e morreram sufocados pelo fumo. Nem um só escapou.
O João encerrou-se novamente no bojo da baleia e atirou-se com ela ao mar, causando uma alta ondulação que ninguém viu.
O pessoal dos cruzadores que acompanhavam o porta-aviões viu o incêndio ao longe. Ainda telefonaram para o porta-aviões mas ninguém atendeu. Estranharam.
Na manhã seguinte o porta-aviões estava reduzido ao casco meio submerso. Tentaram novos contactos e nada. Avisaram o comando do Pentágono, que ficou atónito com a triste novidade. Mandou aviões de terra para sobrevoar os despojos do porta-aviões. Nem sinal de vida. Tentaram aterrar.
– Mas, onde está a pista de aterragem?
Fora consumida.
Tentou o comando do Pentágono dar uma explicação do incidente a apresentar à população que saíra à rua numa grande manifestação hostil. Infelizmente não tinham qualquer explicação para o sucedido. O Presidente chamou todo o comando e os chefes da CIA a pedir-lhes uma explicação sobre nada terem detectado. Por falta dela, enfurecido, o Presidente demitiu todas as chefias de ambas as instituições.
Dirigiu-se ao país pela televisão e prometeu mandar regressar à América todos os navios que se encontravam junto ao Mar Vermelho, o que cumpriu.
Regozijo houve mas no Irão, Iraque e Iémen, que se viram livres de tão incómoda presença nas suas fronteiras. O Hamas, os palestinianos e outros povos muçulmanos também se aliaram à festa, para desgosto de Israel. A América, envergonhada com tamanho revés, que lhes custara fortunas, não sabia a quem acusar. Os satélites americanos nada tinham detectado.
– Afinal, para que serve gastarmos milhões e milhões com a presença de navios em lugares sensíveis, milhões e milhões com a CIA, milhões e milhões com os satélites, se tudo é destruído num instante, sem haver uma detecção de quem provocou o incidente? – perguntava agastado o Presidente. – Isto é uma vergonha!
Ainda quiseram culpar o Irão, os Houtis do Iémen, os russos, os chineses mas, com que provas?
Ninguém conseguiu obter uma pista, ainda que os americanos tenham prometido milhões de dólares a quem conseguisse obtê-la. Foram contactadas a Interpol e todas as polícias secretas do mundo mas nenhuma conseguiu uma pista. Todas as polícias e cidadãos estavam pasmados com tal façanha sem deixar rasto.
Um dia, o João teve conhecimento pela televisão que uma criança fora arrastada pelo mar na praia onde brincava. A corrente era tão forte que a criança fora rapidamente arrastada para o alto mar, sem que alguém a avistasse. Helicópteros e avionetas passaram horas voando ao longo da praia, pensando que ela teria ficado perto da areia. Nada detectaram. Barcos da marinha aventuraram-se um pouco mais longe e também não tiveram êxito. Ao fim de dois dias de pesquisas deram a criança por afundada e morta com toda a probabilidade.
O João acompanhou as notícias sobre este trágico acidente, viu a mãe da criança lavada em lágrimas não arredar pé de junto da praia e condoeu-se dela. À noitinha, quando todos na aldeia estavam a cear, sem vivalma nas ruas, desenterrou a sua baleia do palheiro onde a guardara, esperou pelo raiar da aurora e meteu-se rio Côa abaixo a toda a velocidade. Já no Oceano, desceu até às coordenadas da Costa de Caparica a uns cinquenta quilómetros de onde se encontrava. Pesquisou toda a zona envolvente num raio de cem quilómetros. A dada altura pareceu-lhe ver algo a flutuar sob as ondas que haviam acalmado. Encontrara a criança que se mantinha sobre as águas graças a uma bóia de praia que envergava. Ouviu-a chorar. Falou-lhe de mansinho. A criança ficou encantada ao ver a baleia que lhe falava e parou de chorar. O João abriu a parte de cima da baleia e recolheu a criança. Foi direitinho à praia onde a mãe se mantinha olhando para o mar, na esperança que lhe devolvesse seu filho. A baleia chegou-se à areia, o João abriu a porta da baleia e a criança saiu a correr radiante para os braços da mãe, que nem queria acreditar no que via. Juntou-se imensa multidão a presenciar o resgate do menino. Todos se perguntavam como tal sucedera. A mãe não sabia explicar, já que nem deu conta da baleia do João.
Apenas vira o seu menino a avançar pela areia. Foi o menino que revelou o segredo: uma baleia de prata salvou-me e trouxe-me para aqui.
Ninguém acreditava nele. Todos clamavam por milagre. A mãe prometeu ir a pé à Senhora de Fátima agradecer tal milagre e cumpriu a promessa.
O João desapareceu pronto nas ondas e fez o caminho inverso. Ninguém o viu chegar à sua terra, pois escolheu a calada da noite para regressar a casa. A baleia teve novamente o aconchego do palheiro, tapada com fachas de palha.
Chegou aos ouvidos dos americanos este milagre. Só eles acreditaram no menino que afirmava ter sido salvo por uma baleia de prata. Para eles tal baleia seria artificial, que brilhava ao sol, como se fosse prata.
– Terá sido esta baleia que nos destruiu o porta-aviões?
Bem indagaram junto da mãe e do menino quem ia na baleia. A mãe nada sabia. O menino disse que um senhor ia dentro dela. Mas nada sabia sobre esse senhor nem donde era. Apenas sabia que o tinha feito entrar na baleia por uma porta no alto dela.
O segredo do João ficou por desvendar. O povo continuou a acreditar num milagre.
O João, radiante por ter infligido um tal revés aos imperialistas ocupantes de tantas partes do mundo, nunca falou do que fizera. A sua baleia continuava armazenada num palheiro, escondida dos olhares de todos. O João ainda vive e só espera que os americanos tenham aprendido a lição e se retirem para a América, para não ter de usar novamente a sua baleia.
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«Breves Contos Militares», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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