O livro «As Causas do Atraso Português» escrito pelo economista Nuno Palma e editado pela «Dom Quixote», em novembro de 2023, analisa a evolução económica de Portugal ao longo dos últimos séculos, procurando perceber «as origens históricas do atraso do país» e desconstruir, de algum modo, os mitos do passado que continuam a existir sobre este tema existencial do nosso país. (Parte 2 de 3.)

(Continuação.)
PARTE II – A DESTRUIÇÃO DO ENSINO EDUCATIVO DO PAÍS
«A mais desastrosa política de Pombal, no longo prazo», foi, no entender de Nuno Palma, «a destruição do sistema educativo do país. Ainda na primeira metade do século XVIII, o nível de capital humano em Portugal apenas estava atrás do das partes mais avançadas da Europa, sendo até pequena a diferença. Nesta altura, Portugal tinha duas universidades, assim como uma rede de escolas de ensino pré-universitário em todo o país».
«Nas décadas seguintes, essa situação viria a mudar radicalmente», explica o autor.
«Tudo indica que, ainda hoje, pagamos o preço da decisão de Pombal de expulsar os jesuítas do país, sem que tivesse sido implementada qualquer alternativa viável para a educação da população. Foi declarado pela “Junta da Inconfidência” que os bens confiscados aos jesuítas deveriam financiar a substituição da sua atividade de ensino.
Os bens dos jesuítas foram efetivamente confiscados, mas essa substituição da sua atividade de ensino não chegou a acontecer, sendo na realidade a intenção do governo o encaixe, no erário régio, de capital para equilibrar as contas do Estado.
No alvará mandado publicar por Pombal, em 28 de junho de 1759, afirmava-se mesmo, em nome do rei, que devia ser abolida a memória das escolas jesuítas, “como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Domínios, onde têm causado tão graves lesões e tão graves escândalos”, mas os planos para o que deveria substituir essas escolas eram vagos e nunca foram implementados.»
«Só por esta razão não parece descabido escrever que Pombal foi o pior político de sempre a governar Portugal», afirma Nuno Palma. «Carvalho e Melo deixou-nos o legado mais desastroso de qualquer político que alguma vez governou o país.»

De facto, escreve o autor, «em meados do século XVIII, antes da sua expulsão, a Companhia de Jesus contava, em Portugal, mais de 1000 membros, a maior parte dos quais estavam envolvidos no ensino, que era gratuito. Os jesuítas geriam 20 colégios à data da sua expulsão, assim como a Universidade em Évora, que também seria fechada com a sua expulsão, como já vimos – e que só viria a reabrir mais de dois séculos depois. No total (incluindo Brasil, Angola, Índia e Macau), a Companhia de Jesus tinha 37 colégios, além de um grande número de residências. Tudo viria a ser substituído por quase nada».
E acrescenta: «A situação do ensino, no período anterior à expulsão da Companhia de Jesus por Pombal, foi estudada por Francisco Malta Romeiras e Henrique Leitão, em cujas estimativas e trabalho me apoio aqui. Em 1759, quando Pombal expulsou do país os jesuítas – sendo o primeiro país da Europa a fazê-lo – eles eram responsáveis pela formação de capital humano de cerca de 20.000 estudantes. No total, existiriam em Portugal, em meados do século XVIII, cerca de 20.000 alunos naquilo que poderíamos considerar o ensino pré-universitário, distribuídos por todo o país. Muitas destas escolas tinham mais de 1.000 alunos, tendo tido o Colégio de Santo Antão em Lisboa entre 2.500 e 3.000. Mesmo as mais pequenas teriam algumas centenas.»
«O ensino jesuítico não seria perfeito, mas existia no terreno – e podia ter servido de base para uma expansão educativa a acontecer mais tarde» salienta Nuno Palma. «Pouco importa que o número de jesuítas não fosse o suficiente, só por si, para a massificação do ensino. O que importa é que a sua presença teria criado condições para que a massificação viesse a ocorrer – mesmo que pelas mãos do Estado. É preciso capital humano para formar mais capital humano. Num país de analfabetos faltavam os professores.»
«Pombal declarou que estava a reformar o sistema educativo, que prometia substituir por um mais moderno. Mas, como tantas vezes aconteceu na História» explica o autor «tudo não passou de retórica vazia, de belas palavras de um político, sem qualquer efeito prático. Pombal evitou utilizar a infraestrutura existente, mas na maior parte dos casos as escolas dos jesuítas foram substituídas por pouco ou nada, levando à quase total destruição do sistema educativo pré-universitário do país. Portugal tornou-se um país sem escolas».

O Colégio dos Nobres
«O Colégio (jesuíta) de Santo Antão, em Lisboa, que tinha tido mais de 2.500 alunos em meados do século XVIII, foi substituído apenas pelo Colégio dos Nobres – com menos de 100 – e concentrando-se no estudo de matérias de natureza não científica. Ou seja, o número de alunos caiu para cerca de 4% ou menos», revela Nuno Palma.
«Como se deduz do nome, o acesso a este último Colégio era exclusivo às classes sociais mais elevadas e houve dificuldade em interessar os alunos nas disciplinas científicas aí ministradas. Fundado em 1761 – no papel –, o Colégio dos Nobres começaria a funcionar vários anos depois, inicialmente com 24 alunos, e sem professores de várias disciplinas. Foi aliás difícil recrutar professores e alguns pararam mesmo de lecionar, voltando aos seus países de origem devido à falta de preparação matemática dos alunos. Em 1772, acabou mesmo por ser abolido de vez o ensino das disciplinas científicas, já que não se praticavam. Até ser mandado encerrar, em 1837, o Colégio dos Nobres não voltaria a ter ensino científico, limitando-se ao ensino literário.»
«Vale a pena contrastarmos esta situação desastrosa com a da Aula da Esfera que funcionou ininterruptamente entre 1590 e 1759 no supracitado Colégio de Santo Antão – num espaço que atualmente faz parte do Hospital de São José», escreve o autor do livro. «Ainda hoje podem ser vistos painéis de azulejos representativos dos assuntos lecionados, à semelhança do que acontece no Colégio do Espírito Santo, da Universidade de Évora. Aí se ensinaram matérias científicas e matemáticas, com particular ênfase dada às questões relacionadas com a náutica e a cosmografia. A Aula da Esfera era gratuita e estava aberta a leigos, sendo ensinada em português. Os alunos aprendiam noções tão avançadas como os logaritmos, o telescópio ou a projeção de Mercator, sendo a escolha dos professores muito cuidada, recorrendo-se várias vezes a professores estrangeiros de grande renome. Tudo isso acabara.»
«Por outro lado», acrescenta Nuno Palma, «para além de Lisboa, deram-se em todo o país quebras muito significativas do número de alunos, havendo relatos sobre a falta de professores e a fraca qualidade do ensino. D. Tomás de Almeida, o Diretor-Geral dos Estudos, responsável por substituir o ensino dos jesuítas, teve desde logo enormes dificuldades em recrutar pessoal docente» e avisaria mesmo num relatório de 1763 que «os habitantes não têm como pagar os salários aos Mestres e não mandam os filhos aos Estudos pelo que se perdem muitos talentos que seriam úteis à Pátria se tivessem aplicação.
Dois anos depois, descobriu que em várias das poucas escolas que restavam no país, os professores continuavam a usar gramáticas jesuíticas, tendo sido esses professores suspensos e os exemplares queimados em público.»
«Nos anos seguintes, a situação do ensino pré-universitário manteve-se deplorável», esclarece o autor. «Uma lei de 1772, que lançava os fundamentos do que deveria ser o sistema escolar futuro do Reino, dizia mesmo, no seu preâmbulo, que não era necessário alfabetizar grande parte da população, pois deveriam ser reservados ao serviço rústico, e humilde do Estado, espelhando o que era argumentado por vários homens dessa época que defendiam que os filhos dos pastores e dos criados deviam simplesmente seguir a profissão dos seus pais. Os oratorianos também foram perseguidos por Pombal, mesmo os que tinham gabinetes de Física experimental mais modernos».

O encerramento da Universidade de Évora
«Nas universidades, as consequências da política pombalina também foram desastrosas» afirma Nuno Palma. «Até então existiam apenas duas universidades em Portugal e em todo o império. Uma delas, a Universidade de Évora, foi pura e simplesmente fechada, como vimos no capítulo anterior. Restou a Universidade de Coimbra. A reforma desta, promovida por Pombal (1772), tem aspetos interessantes – deu-se uma modernização dos programas, a criação da Faculdade de Matemática, a criação do Jardim Botânico, e do Observatório Astronómico, entre outros aspetos. A estrutura da universidade foi completamente reformada».
«Mas, como outras coisas com Pombal, foi tudo irrealista: muito mais de jure do que de facto. Não é possível elogiar em abstrato os planos da reforma sem falar da realidade dessa reforma», afirma o autor do livro. «Grande parte das coisas previstas não se implantaram. O ensino chegou a parar por completo e a universidade passou a ter muito menos alunos, tornando-se mais elitista já que sofreu diretamente as consequências do colapso do ensino pré-universitário. Entre 1724 e 1771 (47 anos) passaram pela Universidade de Coimbra 132.869 alunos, o que corresponde a uma média anual de 2.827 matrículas, enquanto no período imediatamente posterior à reforma pombalina, entre 1772 e 1820 (48 anos), apenas 21.675 alunos se matricularam na universidade, correspondendo a uma média anual de 452 alunos – cerca de 16% das inscrições anuais anteriores, sem que isto tivesse correspondido a uma melhoria do conteúdo programático».
Deste modo, escreve Nuno Palma, «a mais importante e mais dramática herança de todas as políticas pombalinas foi Portugal tornar-se no país com a maior percentagem de analfabetos da Europa: durante todo o século XIX, as taxas de literacia não chegavam a 20%. Portugal apenas voltaria a ter 20.000 estudantes no ensino pré-universitário nos anos 30 do século XX, e isto com uma população do país quase três vezes maior (quase 7 milhões, em vez dos cerca de 2,5 milhões, como vimos no capítulo 1). De modo a estabelecer um corte radical com o passado, Pombal evitou utilizar esta infraestrutura, convencido de que, dessa forma, o corte seria total, mas não foi capaz de propor uma alternativa eficaz”.
De facto, conclui o autor deste livro, “o ensino dos jesuítas, ao contrário de outros sistemas, era central para Portugal e a realidade é que foi destruído sem ter sido substituído por uma alternativa funcional. Foi uma catástrofe. Portugal regrediu de forma muito clara, precisamente quando outros países da Europa Ocidental estavam a investir na escolarização das suas populações e a assistir à industrialização das suas economias. Logo em 1800, a percentagem de adultos que em Portugal sabiam assinar o seu nome estava consideravelmente atrás da de outras partes da Europa Ocidental. Portugal estava já então claramente atrasado, em contraste com o que tinha acontecido apenas meio século antes, como vimos anteriormente. Foi nisto, na prática, que resultou o despotismo – dito «esclarecido», aparentemente sem ironia – de Pombal».
E Nuno Palma termina dizendo, em resumo, o seguinte:
«Como expliquei neste capítulo, o notável progresso da economia e do sistema político em finais do século XVII foi interrompido em inícios do século seguinte. Para Portugal, tudo viria a mudar com a descoberta de grandes quantidades de ouro no Brasil. O século do ouro foi o século de uma maldição que condenou Portugal a um processo de decadência económica e política, da qual só viria a sair muito mais tarde, já no século XX. Com a base industrial destruída, um sistema político arcaico, e sem escolas que permitissem sequer educar uma elite mínima que pudesse servir de base a uma expansão futura da escolaridade, o país entrou no século XIX condenado, precisamente quando a maior parte dos países da Europa Ocidental estava a preparar-se para ter revoluções industriais. Nem todas as decisões feitas nos séculos seguintes foram boas, como veremos. Mas o contexto foi muito dificultado pela pesada herança com que o país saiu do século XVIII.»

Conclusões finais do autor do livro
«Pombal foi, sem dúvida, um agente do seu tempo» reconhece o autor deste livro. «Importa reconhecer, contudo, que as decisões que tomou foram desastrosas para o país. O terramoto de 1755 ajudou-o a centralizar o poder, tendo de resto a sua sobrevivência política sempre dependido da vontade do Rei D. José, como a morte deste último veio a demonstrar. Com o capitalismo de compadrio que Pombal promoveu para benefício próprio, quem enriqueceu foi ele, assim como os seus familiares e aliados políticos – enquanto a população portuguesa no seu todo saía prejudicada. Seria isto nepotismo esclarecido?»
«Já a acusação de que expulsar os jesuítas iria permitir o avanço científico do país – amplamente difundida às ordens de Pombal – é uma das maiores mentiras da nossa História.»
«Ainda hoje estamos a pagar as consequências», escreve Nuno Palma. «Mas não deixa de ser importante compreender que Pombal não foi um tirano que apareceu do nada. Quando subiu ao poder, o ouro do Brasil já estava a causar problemas económicos e políticos ao país desde há várias décadas: a indústria estava em decadência acentuada e as Cortes já não se reuniam há meio século. Como tal, a concentração de tanto poder num só homem, e num homem como Pombal, é em si um sintoma da profunda doença do país, e não a sua causa.»
Pombal, um reformista?
«Não deixa, no entanto, de ser verdade que Pombal foi a pessoa mais diretamente responsável por condenar Portugal a séculos de atraso educativo. Vale a pena, por isso, fazer a seguinte pergunta. Porque será que Pombal é tantas vezes encarado como um reformista de vistas largas? Em parte, porque ainda governou durante um período de relativa prosperidade e porque os regimes que o sucederam não foram melhores», explica o autor . «Não é por acaso que, durante a “Viradeira” – o regime associado a D. Maria I, que o sucedeu –, cunhou-se a expressão “mal por mal que venha o Pombal”».
«A pouco e pouco, Pombal veio a surgir como uma figura musculada que fez algo pelo país» constata Nuno Palma. «Hoje sabemos que a economia colapsou, de forma espetacular, nas décadas finais do século XVIII, e que o atraso se acentuou na primeira metade de Oitocentos. Ainda que isso tivesse acontecido em parte devido às ações de Pombal – e, num sentido mais profundo, devido à Maldição Dourada –, o declínio fez-se, no entanto, sentir principalmente a partir do reinado de D. Maria I».
A opinião dos observadores estrangeiros
«Um observador francês descreveu, em finais do século XVIII, a pobreza em que vivia a população de Lisboa, chamando ao mesmo tempo a atenção para a convicção de muitos portugueses de que viviam no melhor país do mundo.» Escrevia ele que, bem pelo contrário, o país era «o mais atrasado, o mais ignorante, o menos civilizado, o mais selvagem e bárbaro de todos os países da Europa».
E Nuno Palma acrescenta: «A qualidade das instituições não melhorou depois da queda de Pombal, tendo outro observador estrangeiro escrito que o governo seguinte, de D. Maria I pode ser considerado como o mais despótico de todos os que dirigem os Reinos da Europa (…) sendo a lei aqui estabelecida geralmente uma palavra vazia de sentido, a não ser quando as suas cláusulas são postas em execução por ordens especiais do soberano.» Essa era a forma de governar de Pombal, mas assim continuou depois da sua queda.

A estátua da Rotunda
A este respeito, Nuno Palma limita-se a repetir a conhecida fábula do «rei vai nu», afirmando: «Não sou em geral a favor do derrube de estátuas, mas não deixa de ser curioso que Pombal tenha a proeminência que tem na mais conhecida rotunda do nosso país. Essa estátua representa hoje o triunfo da propaganda sobre a verdade, mais de dois séculos depois. Não há dúvida de que as mentiras promovidas por Pombal foram eficazes, também por terem sido evidentemente úteis a regimes e narrativas que surgiram mais tarde.»
E conclui dizendo: «Assim, não surpreende a subsequente reabilitação e veneração da sua figura, não deixando de ser irónico que ainda hoje seja frequentemente visto como um grande reformador, até entre muitos historiadores incautos.»
«Tudo culminou no mandar erguer» e na abertura do concurso em 1915 para a sua construção «a sua estátua, cerca de um século e meio depois da sua morte, por um regime (Primeira República) que também se caracterizaria por uma grande divergência entre as belas intenções declaradas e a realidade conseguida a nível educativo», estátua essa que viria a ser inaugurada em 1934.
Numa próxima crónica, tenciono voltar a esta parte do livro de Nuno Palma.
Mas, por agora, limitar-me-ei a dizer que estamos em presença de um ensaio que, a meu ver, pode ajudar o leitor a desconstruir mitos seculares e narrativas do passado, ao denunciar os erros graves cometidos por líderes políticos ambiciosos, mas inaptos, que governaram o país nos séculos XVIII-XX e por outros, igualmente não menos ambiciosos, nem menos inaptos, que nos têm governado em pleno século XXI.
Este livro do professor catedrático da Universidade de Manchester tem outro mérito indiscutível. Ajuda-nos a entender melhor algumas das causas profundas do atraso português provocadas pelos erros graves dos nossos líderes políticos do passado, mas também do presente, a saber: o desbaratamento dos recursos económicos, humanos e intelectuais do país; a supremacia dos interesses privados das elites governantes sobre os intereses públicos do Estado; a má gestão do nosso ensino educativo; as tentativas repetidas de controlo absoluto do aparelho do Estado; a falência das reformas necessárias para garantir, de forma efetiva e sustentada, o desenvolvimento económico e social do país; e enfim, a eterna retórica vazia das belas intenções dos governantes sem correspondência real e efetiva na vida concreta dos portugueses.
Em suma, o exercício do poder pelo poder.

Notas
Estas conclusões retiradas do livro de Nuno Palma trazem à memória uma célebre entrevista de António Costa publicada na revista Visão a 12 de dezembro de 2022, na qual o ainda Primeiro-Ministro,quando interrogado sobre as enormes dificuldades que o seu governo de maioria absoluta já então atravessava, assumindo uma pose de Estado que à própria Visão fez lembrar o perfil político do Marquês de Pombal, se limitou a responder ao jornalista de forma sobranceira: «Vão ser quatro anos. Habituem-se!»
Entretanto, decorridos menos de dois anos sobre este episódio, o destino encarregou-se de provar que na vida dos mortais nada é eterno… e que o exercício do próprio poder político pode transformar-se, mais tarde ou mais cedo, num sonho precário, passageiro e ilusório para o seu detentor e inútil para o País, relegando quem desbaratou esse poder a uma ou duas linhas de uma nota de rodapé dos nossos compêndios de História.
(Continua)
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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