Quando entrei para a escola levei apenas um livro e uma pedra de ardósia com o respectivo ponteiro e almofada de limpeza, protegidos dentro duma sacola de sarapilheira, que a tia me fizera, bordada a ponto de grilhão. Nada de lápis, canetas ou papel…
Lápis, canetas ou papel, isso seria lá para Novembro quando a senhora professora achasse que nos podia dar o primeiro caderno de duas linhas para usarmos a caneta de aparo (pena) que mergulhava no tinteiro e que teríamos de controlar para não cair borrão. Sim, que caneta de tinta permanente só para quem tinha muito de seu, e quem já andasse na terceira ou quarta classe. As canetas BIC ainda não tinham aparecido por lá e, mesmo essas, não podiam ser usadas na escola como material validado. Era falta de respeito, por exemplo, escrever uma carta a alguém com esferográfica ou fazer uma prova escrita, um requerimento…
Nós, as meninas daquele tempo, já tínhamos as mãozitas treinadas para dominar bem o ponteiro e a «pena». Todas nós já tínhamos realizado muitas tarefas com agulhas de coser e de tricotar, tínhamos escolhido cornachos entre os grãos de centeio, degranado maçarocas de milho, enrolado tirinhas em canelas do tear, dobrado lã em novelo, enfiado arames em pauzinhos de choupo para fazer cortinas para a porta, eu sei lá!…
O que é certo é que todas nós fazíamos uma letra perfeitamente bem desenhada. O nosso pior inimigo era o frio que nos gelava dos pés à cabeça e nos entorpecia as mãos. Os caldeirinhos de brasas, feitos das latas grandes de atum, depressa se apagavam e a escalfeta da senhora professora só aquecia as mãozinhas de alguma menina que chorava com dores e tinha cãibras.
E, ainda hoje me faz confusão como conseguíamos ver alguma coisa nos dias escuros de nevoeiro com os vidros das janelas todos embaciados!… E não havia nem sequer uma candeia, candeeiro ou petromax e muito menos uma lâmpada para acender, porque electricidade não era coisa que existisse por ali.
Se naquele tempo conseguíamos ser felizes, porque consideramos miséria todas as benesses que hoje temos?!
Olhem que a nossa geração foi dinâmica, trabalhadora e progressista, talvez a mais veloz em conquistar novas ciências e saberes!… Não nos desprezem por sermos já «velhos» ou «idosos»!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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