«Olha para o teu Povo e verás o Mundo todo.» Duas palavras sobre o aforismo que antecede: antes da atual Tecnologia de Informação e das Redes Sociais, que abundam e proliferam, para comprovarmos, com alguma segurança, o que apresentávamos, recorríamos ao Dicionário; na nova Era de Informação e Comunicações poderemos, também, lançar mão da Net, v.g. motor Google. Ora, no presente caso, não vemos aquele aforismo constar em nenhum campo de consulta. Não obstante, mantêmo-lo, por o conhecermos desde sempre e o entendermos como apropriado ao pretendido.

Vai decorrido mais de meio século, no Externato Secundário do Sabugal, que frequentávamos, ensinava o saudoso Professor de Português, Pe. Dr. José Júlio Esteves Pinheiro, além do estudo de «Os Lusíadas», obra curricular da matéria, a célebre, conturbada e desafortunada vida do seu Autor, o imortal Luís de Camões, a, supostamente, no seu entender e ensinamento, jazer em pomposo mausoléu, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
Ensinava aquele Ilustre Professor que Camões, não obstante a valia da Obra deixada, havia sido sepultado em vala comum.
Isto em junho de 1580, só mais tarde vindo a ter merecimento de lugar condigno no interior do Mosteiro, para o que, no espólio ossário da vala comum, foram procurados e selecionados ossos, mais ou menos apresentáveis, que pudessem ter pertencido ao então já celebérrimo Autor.
Não obstante a já reconhecida celebridade, a verdade é que «o túmulo onde se guardam as suas cinzas respeitadas como se do Poeta fossem, encontra-se nos Jerónimos», como já referido e, também, como melhor consta da «Vida de Luís de Camões» na «Parte I – Breves Estudos, in Os Lusíadas, de Luís de Camões», 6.ª Edição da Porto Editora, Lda., Porto, Edição organizada por Emanuel Paulo Ramos, edição essa por onde então aprendemos e que ainda conservamos e consultamos, sempre que necessário.
Aqui chegados, a olhar para o nosso Povo, segundo os ensinamentos do Sr. Pe. José Júlio, seja-nos dado partir, não para o Mundo todo, mas para fora do Universo Português, mais concretamente para a vizinha Espanha.
Tomemos o caso de Miguel de Cervantes, celebrado autor de «Don Quixote de La Mancha», socorrendo-nos do que aprendemos aqui e ali e do que vemos constar da Wikipédia, um dos referidos dispensadores de dados de informação, como atrás referido.
Falecido em 23 de abril de 1616, foram os seus restos mortais depositados, então, na Igreja Conventual das Trinitárias, em Madrid.
Em 23 de abril, à semelhança do 10 de junho em Portugal, em que se comemora o «Dia de Camões», comemora-se em Espanha, não o dia de Cervantes, mas o «Dia do Livro» em Espanha, o que, em boa verdade, vai dar ao mesmo.
O Dia Internacional do Livro, com origem na Catalunha, era celebrado inicialmente em 5 de abril, em comemoração do nascimento do referido escritor.
Voltando aos restos mortais daquele grande escritor da humanidade, sucede, porém, que, um grupo de investigadores históricos e arqueológicos iniciaram uma busca pelos seus ossos, na referida Igreja, ali depositados, mas não se sabendo exatamente em que parte do monumento.
Posteriores investigações, de vária ordem, que permitiram reconstruir o rosto do Escritor, contaram com o apoio da Academia Espanhola e o aval do Arcebispado Espanhol.
Acresce que a Igreja foi remodelada no final do Século XVII e, apesar das certezas de que os restos mortais ali se encontravam, ninguém sabia o lugar exato da sua campa.
Finalmente, em março de 2015, uma equipa multidisciplinar, liderada por Francisco Etxeberría, confirmou o descobrimento dos restos mortais de Cervantes, identificados pelas iniciais «M.C.» no seu caixão.
Outras informações adicionais permitiram levar à seguinte conclusão: «São muitas as coincidências e não há discrepâncias. Todos os membros da equipe estão convencidos de que temos entre os fragmentos algo de Cervantes, embora não possamos dizer em termos de certeza absoluta», afirmou Etxeberría.
Como não há duas sem três e continuando no campo das Letras dos que nos são mais próximos, passemos ao caso de Jean de La Fontaine, o celebérrimo autor da «Fábulas» com o seu nome.
Socorrendo-nos da obra «La Fontaine ou La Vie est un Conte», de Jean Orieux, da Editora Flammarion, 1976, temos, depois de uma vasta explanação das obra de La Fontaine, uma Quinta Parte, onde podemos colher sobre «Imortal acede à vida eterna» e, também, que «se está no Céu, La Fontaine está também entre nós». Quanto à sua morte, ela chegou em 13 de abril de 1695.
No que concerne à segunda parte, de se encontrar entre nós, pergunta-se:
Depois deste enterro sem grande cerimónia, feito, como o escreveu o pároco de Santo Eustáquio, no cemitério dos Santos Inocentes, o que resta de La Fontaine?
«Um túmulo fictício», responde-se.
Diz-se ali ser sabido que o Abade de Olivet cometeu o erro de escrever que o poeta tinha sido «enterrado no cemitério de S. José, no mesmo local onde Molière tinha sido colocado vinte e dois anos antes».
Quando os revolucionários, em 6 de julho de 1792, baseados neste testemunho, quiseram trasladar os restos de Molière e de La Fontaine, não recolheram senão ossos anónimos.
Colocaram-nos em dois mausoléus que ficaram até 1817 no antigo convento dos Grandes Agostinhos tornado Museu dos monumentos franceses.
Nessa altura foram transportados, lado a lado, para o Cemitério do Père-Lachaise onde estão e podem ser visitados, na divisão 25.
Esta vizinhança comove os visitantes; infelizmente, nem Molière nem La Fontaine se encontram nestas pesadas pedras, acrescenta-se.
O verdadeiro túmulo de La Fontaine é um monumento ideal que transporta duas colunas imateriais. Dois testemunhos de amizade um e de admiração o outro: um de Fénelon; outro de Maucroix. O primeiro um aluno e o segundo um amigo do grande Jean de La Fontaine
Este o destino dos restos mortais, nada consentâneo com a valia imortal de três Grandes Vultos da Literatura Universal dos séculos XVI e XVII.
Uma, porventura desnecessária, referência sobre o Cemitério do Père-Lachaise, o maior cemitério de Paris e um dos mais famosos do Mundo.
Em 1804, quando foi inaugurado, ficava um pouco fora de portas da Cidade e quase ninguém era ali sepultado.
Tratando-se de encontrar uma solução para o seu abandono, entenderam as autoridades de então transladar para lá algumas ossadas de importantes personalidades, que se encontravam noutros cemitérios.
Tanto bastou para que o Père-Lachaise viesse a tornar-se no que hoje é. «Grande dormitório» de Escritores, Poetas, Escultores, Pintores, Filósofos, Sociólogos, Historiadores, Músicos, Cantores, Atores Cineastas, bem como famosos de outras áreas e Nobres, tanto nacionais de França como de outras partes do Mundo e que, por tudo isso constitui um local de visita quase obrigatória para quem visite a cidade e queira sentir-se mais próximo de tão eternas Glórias.

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Nota
Assinalam-se este ano os 500 anos do nascimento de Luís de Camões.
A realização das comemorações foi determinada por uma Resolução do Conselho de Ministros, de maio de 2021, que determinou logo que o programa das comemorações deveria ser proposto ao Governo até final de 2022.
Tal não se verificou porque a criação de um comissariado só recentemente teve lugar, havendo ainda comissões a designar.
Temos, assim, no sábio e autorizado dizer de Armando Esteves Pereira, diretor-geral editorial adjunto do «Correio da Manhã», in Opinião desse matutino de 2 de janeiro de 2024, que «o poeta que há 450 anos tinha de enfrentar os imbecis da corte para receber a tença prometida pelo rei, continua a ser vítima dos cortesãos contemporâneos».
«Afinal de contas, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas há coisas que não mudam em Portugal. Homenagear Camões deveria ser uma oportunidade para homenagear o maior ativo de Portugal, a Língua Portuguesa», acrescenta aquele senhor Jornalista.
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«Ecos», crónica de Isidro Candeias
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