Chama-se Henrique Simba. Nasceu em Cabinda e tive a sorte de o ter como colega. Casou-se nas vésperas de Natal e recebi um convite que irei abrir na consoada. O convite angolano é muito diferente do nosso e vou fazer um ritual em sua homenagem na nossa noite de Natal.
O Simba é um rei da música. Tem um ouvido que reconhece desde Mozart até ao «Puto Português». É um rapper famoso em Angola.
O nome do artigo, memoriza as longas viagens que temos feito juntos, algumas com perigo, mas sempre acompanhadas da música e do nosso cantar. Uma forma interessante que nos ajuda a afastar do longo tempo da demora. E tem também tem sido um mestre a apresentar-me talentos da música africana. Um deles foi o grupo MCK, com poemas amargos mas cheios de criação, numa mística de um português muito bem trabalhado. É impossível ficar indiferente!
Conhecemo-nos em, Outubro de 2019. E tem sido uma convivência intensa. E, como mais velho, noto como amadureceu a sua vida nesta corrida de tempo, tendo inclusivamente tomado, neste Natal, a decisão mais importante para o seu futuro.
De tantas aventuras passadas, a que talvez mais marcasse foi a longa viagem ao Lubango, onde cantámos música desde Cuba e até ao famoso «Lambarena», uma fusão do J.S.Bach com música tribal africana.
Nas batidas abriam-se as janelas da velhinha Hilux, e gritávamos os tons de África ao som da cantata «Lasset uns den nitch zerteilen». Momentos inesquecíveis! Um português e um «angolano cabinda» a cantarem na savana africana, sós, num mundo a nossos pés.
Numa outra viagem, quilómetros infinitos de picada, insisti em ir sentado na caixa de carga. De facto, é duro, bem duro. Os solavancos dos buracos e ravinas estilhaçaram-me o cóccix. Mas o Simba a dada altura pára a viatura. Nem disse nada. Bastou o sinal. Eu entendi. Na verdade, no assento é bem mais confortável!
Não conheço ninguém que se queixe do Simba. Sempre disponível, nunca terá imaginado que a nossa alma lusitana fosse tão aberta ao bom convívio.
Prefere «Sumol» a uma bebida alcoólica, e ainda mantém o seu catolicismo, não sendo a religião factor que o leva a tal decisão.
Quando voltei ainda com o braço meio paralisado foi o meu guarda costas. Não me deixava fazer esforços e guardava a paciência para os meus desabafos de aleijado, sentindo-me incapaz de fazer o que gostaria.
Quando regressar, cabe-lhe a tarefa de me apanhar no Huambo. E sabe onde estão os famosos radares, tal como cá, escondidos nas descidas com o máximo de 50kms/hora, e a famosa sinalização surpresa (sinais de controlo de velocidade, mas portáteis). Tem um olhar de lince e apercebe-se a tempo da localização dos amigos polícias, à espreita, só reduzindo a velocidade no momento certo. Surgem gargalhadas: nossas, mas também dos polícias, que levam de forma muito positiva este jogo do «gato e do rato».
Desta epopeia em África, o Henrique Simba, foi marcante, como conselheiro, protector e muito amigo. A sua palavra é sagrada. Não mente. E cumpre com o que promete. Daí dedicar-lhe a música, no final da crónica, do grupo MCK que me apresentou.
Assim sendo, desejo-lhe as maiores felicidades, e mesmo tendo idade para ser meu filho, o nosso tratamento é de igual para igual.
Por isso, Graças a Deus, continuo a não sentir dificuldades de me relacionar com humanos de outras culturas ou crenças. E também contínuo a não entender tantos estigmas de pensamentos do passado onde o valor humano se media pela latitude.
Covilhã, 24 de Dezembro de 2023
:: ::
«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
:: ::
Leave a Reply