O Manel Mastigas tinha-se por caçador de tiro certeiro mas, na verdade, todos lhe notavam a presunção e sabiam da sua pontaria pouco afinada. O que ele conhecia mesmo eram os sítios das perdizes e os jeitos peculiares de as apanhar.

Confirmado o pouso do bando, seguia de ponto em pé, encoberto por gestas e silvados e, agachado, perfurava as paredes dos campos com o cano da velha arma, na expetativa de poder surpreender as presas. Esperava, assim, o descuido das aves. Depois apontava cuidadosamente e disparava sobre uma caterva delas. De uma só vez podia matar meia dúzia. Mas, ao mais pequeno ruído, elas levantavam voo e o Mastigas não acertava em nenhuma.
Ora, num Natal de tempos idos, o Mastigas saltou da cama antes do alvorecer e avisou a mulher que iria sair. No entanto, ninguém se deveria preocupar porque, na volta, ele traria com que cozinhar a consoada.
O dia tinha nascido excessivamente frio e nublado e pouco melhorou enquanto o afamado caçador, se deslocava de sitio em sitio, qual sombra pesada e lenta.
Mas nada. Não conseguia dar com nada, nem com um pardal que fosse. Dir-se-ia que as aves estavam congeladas. Ou, então, tinham sido avisadas.
Até que, já pelo ofuscar da noite, o Mastigas notou, sobre uma lavrada, um discreto movimento.
– Alguma coisa andará por ali – discorreu ele em média voz.
Foi-se, pois, chegando e, com raio dos diabos, eram mesmo para cima de uma dezena de perdizes a debicar nos sulcos da terra lavrada.
Mas, raios partira a sorte, não havia onde se esconder. Nem uma árvore, nem um arbusto. Apenas um muro esburacado e baixinho cercava a arada.
Disse, então, de si para si… «um verdadeiro caçador nunca abandona!»
E, ato continuo, aleou a arma às costas, jogou-se ao chão e rastejou na terra molhada, até alcançar a centenária parede. Procurou um buraquito maior e tentou enfiar o cano da arma. Mas, caramba, era mesmo dia de pouca sorte. Descuidou-se e fez tombar a parte superior da vedação.
Claro que as perdizes, com o barulho provocado, levantaram voo rápido e rasteiro. Mas o Mastigas, por puro instinto, puxou o gatilho e disparou. No chão resultou morta uma única perdiz.
– Já não é chita – murmurou ele esfregando as mãos de contente
Apanhou a peça, meteu-a no bolso e seguiu para casa. À chegada a mulher já chorava o atraso.
– Deixa ver o que caçaste Manel, que eu tenho que me aviar para a ceia.
O Mastigas ripou a perdiz do bolso, entregou-a à mulher e explicou:
– Mete-a na panela, faz uma canjinha rara, de maneira que chegue para todos. Depois há que «surrar» nas batatas que o dia, inteirinho na caça, fez-me minguar o tempo para alcançar o bacalhau.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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