«Deita-o na vala!» É verdade. Muitas jovens mães quando engravidam, ouvem estas palavras dos progenitores. Pela primeira vez estou a acompanhar uma situação destas, e embora exista em todo o mundo, a mulher africana, em geral não aceita o «aborto» como solução da irresponsabilidade de garotos sem escrúpulos que as levam no «canto da sereia». Louvo por isso esta atitude, que nada tem com a religião, mas com um conceito de família que nós europeus já não temos.

O conceito de família em África, principalmente na que foi colonizada por portugueses, ficou muito enraizada. As crianças podem brincar à vontade na rua, têm a sua escola e apoio gratuito em hospitais materno-infantil, para a protecção sanitária de mães e crianças.
Mesmo que estes aspectos não funcionem com a panóplia de papelada que existe na europa, o facto é que há vontade política destes governos, obviamente pressionados pela ONU, para que a «mulher» seja socialmente protegida. Porque a «mulher» é que faz crescer a população de um país. E relembro o nosso, que por falta de políticas concretas, protege a mulher mais no campo financeiro do que no papel de ser mãe. Basta comparar, por exemplo, com a Dinamarca e Espanha, que graças a uma boa gestão dos impostos as famílias numerosas são, de facto, protegidas pelos estados, sendo que em Espanha a Igreja Católica também apoia estas estruturas sociais. E eu conheço casos concretos nesses países.
Temos que ver que há um choque cultural tremendo que muitos dos estimados e estimadas leitoras não concebem. Mas a verdade é que aqui em África, um nascimento de uma criança é um milagre da vida (que nada tem de religioso), e mesmo com poucos recursos, as mães, principalmente as mães, sentem o amor e carinho mesmo que seja o décimo filho.
A chamada educação sexual é uma lacuna, mais por pressão cultural, mas na camada jovem com cursos superiores, já atende a alguns cuidados, como foi o caso da entrevista da semana passada publicada aqui no Capeia Arraiana à minha amiga «Tina».
Também não é por acaso que um dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados pela a Assembleia Geral da ONU, por larga maioria, em 2015, o ODS n.º 5, refere a «Igualdade de Género», onde, entre vários aspectos sociais, os senhores, ou rapazes, ou as suas famílias em caso de menores, devem assumir as suas responsabilidades como progenitores.
No caso concreto de Angola, a legislação no que refere à recusa da paternidade existe e é muito semelhante à de Portugal, incluindo a despistagem por DNA. E até pode funcionar, só que num vasto território, muitos fogem para outras províncias ficando escondidos em casas de familiares ou amigos, não sendo fácil às autoridades sempre «apanhá-los».
Também fiquei a saber que aqui em Angola, a Segurança Social, já dá um pequeno apoio às mães com poucos recursos durante um tempo, o que revela um passo importante para o cumprimento dos 17 ODS, há pouco mencionados. Neste contexto o problema é a falta de registo da criança nos serviços de Registo Civil, porque ainda muita localidade não dispõe desta estrutura. Sem a cédula a Segurança Social nada pode fazer.
O importante é que em época natalícia, crente ou não crente, o valor da família é inestimável. E os desentendimentos que existem em todo o lado deste vasto planeta, principalmente por bens materiais existem. Mas não nos devemos esquecer que um dia «partimos» e os bens materiais cá ficam. Daí a importância da opção do testamento inviolável (sem adendas, alterações posteriores, etc.), que aprendi com os meus antepassados, que resolve contendas infrutíferas e inúteis e que até nos faz esquecer que a nossa existência se deve aos pais, avós e por aí fora. Foi este conceito de família que nos deu a educação para ser auto suficientes, ou com terminologia mais moderna, sustentáveis, nunca esquecendo a herança cultural do nosso povo, que tem vantagens e desvantagens.
Sem querer referir aspectos políticos, já resolvidos, louvo quem tudo faz para salvar uma vida. Se vem ao mundo é porque alguém assim o entendeu, reflectidamente ou irreflectidamente.
Boas Festas,
Luanda, 20 de Dezembro de 2023.
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«No trilho das minhas memórias», crónica por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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