A Tina é uma jovem angolana, com apenas 27 anos, casada a caminho dos oito anos de matrimónio, mas tendo apenas um filho. Tem sido uma das pessoas com quem mais converso no Cuíto. Pedi-lhe uma entrevista porque considero que «rema contra a maré», usufruindo de boas condições económicas, sacrifício no trabalho e uma relação matrimonial estável, sendo o marido professor de educação física e treinador de futebol.
Uma questão fulcral foi perguntar o motivo de um filho, quando uma família em Angola, com sete ou oito anos de duração, disfruta de quatro ou cinco crianças.
A Tina foi perentória: «Com a vida profissional que tenho, para dar atenção devida aos filhos só posso mesmo ter um, por enquanto. E temos de atender às condições financeiras para que a criança possa ter boas condições de educação.»
Pergunto-lhe se as condições de vida relativamente ao ano anterior melhoraram. Neste caso a conversa já foi bem diferente: «Os produtos alimentares essenciais, que nós em Angola chamamos de Cesta Básica, estão a aumentar muito. Muito mesmo. Nem imagino como as pessoas com fracos recursos conseguem subsistir. E também não entendo como alguns produtos produzidos em Angola subam assim tanto de preço. Acredito que haja um armazenamento para provocar pressão na procura e os preços subirem. Mas também não tenho a certeza disso.»
De facto, em Portugal, nos anos 80, os chamados «armazenistas» (ou «intermediários») faziam isso para provocar a subida dos preços e, recordo taxas de inflação pertos dos 30 por cento.
Falámos um pouco de saúde… «Faz-me impressão os médicos ginecologistas terem pouca formação em psicologia.» Uma verdade que nunca tinha pensado. Muitas senhoras vão à consulta, mas com problemas psicológicos que escondem pelas mais variadas razões. Obviamente que há excepções mas queixou-se de alguma falta de humanismo de médicos, ou médicas, mesmo com sucesso no tratamento prescrito. O aspeto sensível que muitas mulheres sofrem é quase sempre esquecido.
Por isso gostaria de ser médica ginecologista. Acha que sente a doente, merecendo um tratamento diferente de outras especialidades. E é bom que «desabafe» dos seus problemas pessoais que possam ter com o parceiro e que prejudiquem o funcionamento orgânico dos órgãos genitais, com consequências na relação.
Sobre a presença de estrangeiros no Cuíto, não a preocupa nem elogia. Acha que os estrangeiros com que tem lidado são, regra geral, educados e estão bem integrados. Obviamente há casos excepcionais como também acontece com os nacionais.
Sobre o futuro, a «Tina» acredita que o comércio tradicional vai prevalecendo nestes meios. O contacto humano é muito importante em África. O clima também ajuda. Porém as vendas online poderão ser um complemento do negócio, mas o sonho de ter uma loja é uma possibilidade.
E, entretanto, o café acabou. Fiquei bastante impressionado como uma jovem de 27 anos tem ideias tão concretas sobre a vida. E no caso da «Tina» dou-lhe os parabéns da visão de sustentabilidade tem e pratica.
Cuíto, 14 de Dezembro de 2023.
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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