Mais uma sempre recordada historieta dos bons velhos tempos da minha aldeia, neste caso, do dono da Quinta de Santo Amaro: «O Morgado». Publiquei esta quase-anedota pela primeira vez no meu antigo blog «LisboaLisboa» em 2006. Vale sempre a pena recordar e… tem muita piada.

Os baldios e os foros – terá sido dessa realidade do final da foros do final da Monarquia que terá nascido o Morgadio de Santo Amaro. O Morgado era muito respeitado. Mas vamos à história de hoje:
O Morgado de Santo Amaro
«Aqui me ladram, além me mordem»
Uma aventura europeia no princípio do século (XX)
O Morgado de Santo Amaro chamava-se José de Carvalho e Mello. Isso mesmo consta do seu mausoléu no cemitério da aldeia. Seria licenciado em Direito. Pelo menos chamavam-lhe «o Doutor de Santo Amaro»… Mas, como se sabe, naquela época, bastava ter ido a Coimbra para se ser «Dr.»… Estou mesmo convencido de que nunca terá acabado o curso.
Era «morgado», dono de um morgadio – que, como julgo saber, resultou da apropriação de baldios que havia por aquelas serranias e por aquelas baixas. As terras deste Morgado eram, aliás, das mais férteis: estendiam-se (estendem-se: hoje foram esquartejadas em quatro parcelas, todas grandes) ao longo de linhas de água poderosas que fazem delas verdadeiros manás. São terras ricas para todo o tipo de agricultura e fruticultura.
Mas era sobre o homem que queria escrever.
Foi dos primeiros portugueses a ter carro. A sua carta foi a primeira a ser passada pelo Automóvel Clube de Portugal – que era quem na época atribuía a carta de condução. Está escrito que a carta do Dr. Carvalho e Mello é a carta n.º 1 de Portugal. Espero que esta informação seja fiável.
Está escrito também que ele fez a primeira viagem Portugal-Paris em automóvel, em 1905.
Mas conta-se sobre ele uma história do diabo.
Arrancou um dia à aventura e foi andando à medida da velocidade que o carro dava, por esses países fora. Quando eu era pequeno, esta parte da história parecia um conto de fadas. Parecia que o homem viajava assim qualquer coisa como até à Índia ou coisa do género, sempre de carro.
À medida que fui crescendo, fui percebendo que a viagem não era assim tão grande: Portugal, Espanha, França, Bélgica (só uns quilómetros como adiante se vai já ver). Mesmo levando em linha de conta que estamos em 1915/20 e que os carros andavam devagarinho.
Pois bem. Chegou à Bélgica. Até ali, tudo bem. Falava-se espanhol, depois francês e isso, ele entendia. Mas depois (sei eu hoje que na Bélgica falam-se duas línguas: o francês, na parte mais próxima da França, e o flamengo na Flandres).
Terá sido aí, ao entrar na zona flamenga da Bélgica, que o caso se deu. Ou seja: o Dr. Mello, o Morgado de Santo Amaro, dizia com muita piada aos amigos a quem contava a história:
– Quando cheguei a certo sítio, deixei de os perceber. E aí pensei: Vou-me mas é embora. Aqui me ladram, além me mordem…
E fugiu a sete pés… Era assim, este homem do início do século XX.
Verdade? Mentira? O que é facto é que o Morgado de Santo Amaro era muito viajado. E, de facto, corria muito para aquelas bandas. Aliás, por lá casou.
De facto, numa dessas deslocações ter-se-á apaixonado por uma belga. Casaram em Bruxelas com essa cidadã belga e dela teve um filho. Mas ela nunca se deu em Portugal e o filho parece que também não. Só veio à terra no dia da morte do pai e por poucas horas. Quem herdou aquilo tudo foi um sobrinho, o eng.º Luís (ninguém o trata por mais nome nenhum: Luís. E basta!)…
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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