A Benedita quando ia para a escola já tinha ido levar a vaca ao lameiro, já lavara as malgas do café, fora buscar umas cepas para o lume, ajudara a descascar as batatas para o caldo e muitas vezes até já tinha ido à ribeira ensaboar os cueiros do irmão recém-nascido.
A mãe tentava pôr-lhe na mesa as sopas de café com leite, bem quentinhas, antes das oito e meia para a Benedita ir aconchegada para a escola e entrar a horas para a senhora professora não a repreender logo à chegada. O problema é que havia tanta coisa para fazer que se comia não tinha tempo de lavar a loiça, se lavava a loiça não conseguia deixar lenha para o lume, se trazia lenha tinha de se voltar a ir lavar e pôr o avental lavado… assim, por mais que corresse, era sempre a última a chegar e seria uma grande sorte não ter que bater à porta já fechada e ao meio da chamada. Muitas vezes era a coleguinha de carteira que dizia presente por ela por saber que estaria quase à porta.
O pior é que a Benedita mal apoiava o rabinho nos pés gelados pousados no assento da carteira, começava a cabecear perdidinha de sono. Era a Béi que a ia beliscando e chamando à atenção. Depois tentava que ela aprendesse a lição de cor porque não tardaria ser a vez dela ir ler à secretária. Para espanto da Béi ela conseguia passar sempre de lição e a senhora professora dava-lhe sempre um elogio
O problema foi quando começou a levar muitos trabalhos para fazer em casa. Tinha lá tempo para os fazer. Eram contas, cópias, ditados, tabuadas, números romanos… mas ela tinha de ir buscar a vaca ao lameiro, tinha de abanar o berço dos irmãos para a mãe cuidar das roupas, do jantar, do lume, do marrano, das galinhas…
À noite, a luz do candeeiro era muito fraca para ela ver as letras do livro, os números da pedra negra e se a mãe cabeceava de agulhas na mão ela dormia a sono solto e sonhava com rainhas e reis a passear pelas linhas férreas sobre serras e mais serras olhando os rios de Angola, Moçambique, Guiné,… e acordava de livro na mão sem saber a lição e os vocabulários que a senhora professora lhe tinha mandado estudar.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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