Mais do que aumentar o orçamento para a saúde, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de uma reorganização inadiável de todo o sistema da saúde do setor público e de uma competente e eficaz política de gestão das instituições e dos serviços que o integram. Caso contrário, o caos continuará a reinar nos hospitais, nas demais instituições de saúde do setor público e, em particular, nos serviços de urgência, com graves consequências para os cidadãos que a eles recorrem.

Neste momento em que, na sequência da demissão de António Costa está em curso uma enorme campanha de ataques à imagem da Justiça e, em particular, da Procuradoria-Geral da República, levada a efeito por alguns membros e notáveis do partido do Governo, pela bolha mediático-política, e, o que é mais grave, por alguns altos representantes de órgãos do poder,designadamente o Presidente da Asembleia da República, creio que, em lugar de ceder à tentação de embarcar nesta campanha, me parece bem mais sério e mais necessário tratar de assuntos indiscutivelmente prioritários e que mais interessam à maioria dos portugueses. É o caso da crise que, de há vários anos a esta parte, está a afetar gravemente o funcionamento do SNS.

Sobretudo, durante os últimos três anos, têm sido vários os fatores que têm vindo gradualmente a criar no SNS fortes constrangimentos de natureza diversa que conduziram ao atual quadro de eminente ruptura do sistema da saúde do setor público, quer em matéria de organização e de gestão dos Centros de Saúde e dos Hospitais Públicos do país, quer no plano profissional dos agentes da saúde (médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar) que neles trabalham.

Centros de Saúde
Começando pelos Centros de Saúde, a greve dos médicos às horas extra que começou no verão passado, está a afetar sobretudo a Região de Lisboa e Vale do Tejo e os doentes sem médico atribuído.
«Um impacto importante.» É desta forma que Jorge Roque da Cunha secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) classifica o efeito da greve às horas extraordinários dos médicos dos Centros de Saúde, que se arrasta há quase quatro meses, e que já deixou, até à data, mais de 300 mil consultas por realizar (cerca de 90 mil por mês), segundo as estimativas que o mesmo avançou aos órgãos de comunicação social.
Ao contrário da indisponibilidade dos médicos hospitalares para realizarem trabalho extraordinário para além das 150 horas previstas na lei (e que está a ter um impacto significativo em várias unidades hospitalares do país), a greve dos médicos dos Centros de Saúde às horas extra está a afetar o bom funcionamento dos serviços, independentemente do número de horas suplementares já feitas pelos médicos de família.
Iniciada a 24 de julho, esta greve às horas extra nos Centros de Saúde não tem tido o mesmo impacto mediático que a recusa dos médicos dos Hospitais Públicos em realizarem mais trabalho extraordinário. No entanto, «o impacto no terreno é especialmente importante», diz Jorge Roque da Cunha, acrescentando que a greve tem «provocado sérias dificuldades de acesso aos cuidados de saúde primários, sobretudo para as pessoas que não têm médico».
Segundo Roque da Cunha, cerca de 70% dos médicos que realizam trabalho extraordinário aderiram ao protesto. E a falta de resposta aos doentes sem médico e a situações de doença aguda estão a ter repercussões nos hospitais, com um aumento da afluência às urgências. «Isto aumenta a pressão nas urgências hospitalares, uma vez que os Centros de Saúde não dão resposta», salienta o referido secretário-geral do SIM.
Como se disse, «esta greve está a fazer-se sentir com especial intensidade na região de Lisboa e Vale do Tejo – onde vivem mais de 1 milhão e 100 mil pessoas sem médico atribuído – e onde existe «uma maior necessidade de horas extra por parte dos médicos», lembrou Jorge Roque da Cunha..
Existem serviços de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo, que costumavam contar com três a quatro médicos antes do início desta greve que nem sequer abrem portas em muitos dias e também aos fins de semana. Para muitos utentes, a solução nestes casos é dirigirem-se às urgências do Hospitais de Loures, de Santa Maria ou de São José, onde podem enfrentar várias horas de espera até serem vistos por um médico.
Por outro lado, o trabalho médico nalguns serviços de atendimento da região de Lisboa, está a ser condicionado por várias insuficiências, que dificultam uma resposta de qualidade aos seus utentes. Os médicos estão descontentes por vários motivos: pelas condições físicas dos consultórios, pelo estado dos sistemas informáticos – que são obsoletos –, ou pela violência que sofrem por parte de alguns utentes descontentes. Os médicos sentem que estão a prestar um atendimento que não está de acordo com os padrões de qualidade. E nalguns serviços não há forma de pedir meios de diagnóstico e de fazer o seguimento dos doentes. E isto levanta problemas éticos aos próprios médicos desses serviços que não querem continuar a pactuar com este «faz de conta» do atendimento aos doentes.
Apesar das diferenças em relação às escusas a mais horas extra (além das 150 anuais) apresentadas pelos médicos dos Hospitais Públicos, a greve às horas extra nos cuidados de saúde primários tem por base as mesmas preocupações. «É uma forma de protesto em relação ao processo negocial com a tutela, à questão salarial, à questão do tempo de trabalho, à falta de investimento no SNS», explica Jorge Roque da Cunha, acrescentando que, se por um lado o sindicato que representa não deseja o prolongamento da greve, por outro, acusa o Governo de ser responsável pelos constrangimentos causados, uma vez que o Ministério da Saúde «tem sido incapaz de chegar a acordo com os médicos».
Por outro lado, segundo o movimento Médicos em Luta, a greve dos médicos às horas extra já afeta praticamente metade dos Agrupamentos de Centros de Saúde. No início de novembro, o Sindicato Independente dos Médicos anunciou o prolongamento do protesto até ao último dia de 2023. No entanto, Jorge Roque da Cunha admitiu que esta greve poderá ser suspensa quando a Assembleia da República for dissolvida e o Governo entrar em regime de mera gestão, o que deverá acontecer, segundo declarou o Presidente da República, no início de dezembro próximo.

Hospitais Públicos
Dito isto, e servindo-me das notícias divulgadas pelos órgãos da comunicação social, vale por outro lado a pena dar uma ideia aproximada sobre a forma como, no dia 1 de novembro, estavam a funcionar os Hospitais Públicos, de norte a sul do país.
A este respeito, importa observar que, segundo dados recolhidos junto do movimento Médicos em Luta e da Federação Nacional dos Médicos, o funcionamento de vários hospitais que já estava a ser afetado sériamente e há várias semanas sobretudo na região Norte, passou entretanto a ganhar uma maior dimensão e a atingir de forma significativa também a região de Lisboa e Vale do Tejo.
Efetivamente, no dia 1 de novembro, entraram em vigor mais 1500 minutas de escusa a mais horas extra (para lá das 150 horas anuais obrigatórias por lei) que, entretanto, têm vindo a aumentar exponencialmente, elevando para mais de 4.000 o número total de médicos que recusam fazer mais trabalho extraordinário. Mas vejamos mais em detalhe o que nesse dia se estava a passar nos Hospitais Públicos, de norte a sul do país.

Região Norte
Hospital de São João (Porto): A quase totalidade dos médicos internistas que fazem urgência neste hospital entregaram as minutas de escusa a mais horas extraordinárias, que começaram a vigorar a partir de 1 de novembro. Também neste dia se efetivaram as escusas a fazer mais horas extra de 33 médicos anestesistas e de um elevado número de especialistas em Cirurgia Geral.
Hospital de Santo António (Porto): Esta unidade hospitalar confirmou que «foram recebidas escusas de anestesistas, obstetras e pediatras». Segundo os «Médicos em Luta», 64% dos anestesistas apresentaram escusa a fazer horas extra (o equivalente a 55 médicos), sendo que o mesmo se verificou com 75% dos obstetras. No caso da Obstetrícia, as minutas de escusa de trabalho extra entraram igualmente em vigor a 1 de novembro.
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho: Neste centro hospitalar, mantêm-se as dificuldades na Medicina Intensiva e na Ortopedia. Fonte oficial do hospital referiu que, em novembro, irá continuar a vigorar o corte do número de camas da Unidade de Cuidados Intensivos (neste momento, funcionam apenas 16 das 28 camas existentes). Segundo o movimento «Médicos em Luta», mais de 90% dos especialistas de Medicina Intensiva (41 médicos) e quase todos os internos apresentaram escusas a mais horas extra. Por outro lado, o Centro hospitalar reconheceu limitações também na Urgência de Ortopedia. Durante o dia, estão escalados apenas dois especialistas, enquanto à noite apenas existe um, portanto abaixo dos rácios recomendados. Segundo o dito movimento «Médicos em Luta», a urgência de Ortopedia estará encerrada todos os dias a partir da meia noite e até de manhã. Nos hospitais de Gaia e Espinho mais de 70% dos anestesistas apresentaram escusa a mais trabalho extra – 47 médicos. Também na Cirurgia Geral há limitações, com 15 dos 24 médicos a apresentarem escusa a mais horas extra; e na Obstetrícia, metade dos especialistas deste serviço também se recusam a fazer mais horas extra.
Hospital de Braga: Este hospital admite «alguns condicionamentos no serviço de Cirurgia Geral», devido ao número de escusas a mais trabalho extra apresentadas e que poderão afetar o serviço de urgência cirúrgica. Segundo os «Médicos em Luta», a urgência de Cirurgia Geral irá encerrar até dia 5 de novembro, domingo. E a Urgência de Obstetrícia vai estar encerrada em 13 dias do mês de novembro. O hospital adiantou também que, a partir de 1 de novembro, foram reduzidas as camas no serviço de Medicina Intensiva. Em causa está a entrega de minutas de escusas a mais horas extraordonárias de 19 médicos intensivistas (90% do serviço). No total, terão sido entregues mais de 50 minutas de escusa a mais horas extraordinárias, em várias especialidades.
Hospital de Guimarães: Segundo o movimento «Médicos em Luta», 80% dos pediatras, 90% dos especialistas em Medicina Interna e 100% dos obstetras apresentaram escusa a mais horas extra.
Hospital de Viana do Castelo: Neste hospital vai manter-se, em novembro, a limitação na Urgência de Cirurgia Geral aos fins de semana, com a urgência externa a encerrar durante este período. No fim de semana, a Urgência de Medicina Interna também estará encerrada. No que diz respeito à Obstetrícia, mais de 90% dos especialistas apresentaram escusa a mais horas extraordinárias. No entanto, esta situação não vai levar ao encerramento da urgência obstétrica, uma vez que o conselho de administração determinou o adiamento de consultas, de exames e de cirurgias da especialidade de modo a ter os médicos disponíveis no serviço de urgência.
Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (Hospitais de Vila Real, Chaves e Lamego): Fonte oficial deste centro hospitalar referiu que em novembro se vão manter as dificuldades na Urgência de Pediatria do Hospital de Chaves, que tem sofrido vários encerramentos não programados nas últimas semanas. Segundo o movimento «Médicos em Luta», foram apresentadas escusas a mais horas extraordinárias em várias especialidades, como Cirurgia, Medicina Interna, Medicina Intensiva e Cirurgia. Por outro lado, a Urgência de Ortopedia do Hospital de Chaves vai estar encerrada durante todo o mês de novembro, sendo a resposta concentrada na Urgência do Hospital de Vila Real.
Unidade Local de Saúde do Nordeste (Hospitais de Bragança, Mirandela e Macedo de Cavaleiros): Segundo o movimento «Médicos em Luta», a esmagadora maioria dos médicos pediatras, internistas, intensivistas e cirurgiões apresentaram escusa de responsabilidade. Por outro lado, o Hospital de Mirandela vai ter a Urgência de Cirurgia Geral encerrada durante o mês de novembro.

Região Centro
Hospital da Guarda: Segundo o movimento «Médicos em Luta», os constrangimentos no Serviço de Urgência devem agravar-se em novembro: mantêm-se as escusas dos médicos internistas (com impacto principalmente aos fins de semana) e, a 1 de novembro, entraram em vigor seis escusas de cirurgiões (de um total de 9 especialistas) e de 100% dos anestesistas. A Urgência de Medicina Interna, a Urgência de Obstetrícia e a Via Verde AVC vão encerrar em todos os fins de semana (incluindo sextas-feiras) do mês de novembro. Já as urgências de Cirurgia e de Cardiologia vão encerrar durante todo o mês.
Hospital de Castelo Branco: Segundo o movimento «Médicos em Luta», várias minutas de escusa de mais horas extra de médicos do serviço de Cirurgia Geral foram entregues e entraram em vigor a 1 de novembro, neste hospital.
Hospital de Leiria: Em Leiria, foram entregues escusas de mais horas extra em «especialidades que contribuem para o funcionamento do Serviço de Urgência, nomeadamente nas especialidades de Anestesiologia, Cardiologia, Cirurgia Geral, Ginecologia/Obstetrícia, Medicina Interna, Ortopedia e Pediatria», informou o hospital. Assim, e uma vez que o número de médicos que já ultrapassaram as 150 horas anuais obrigatórias previstas na lei é cada vez maior, a unidade hospitalar admite que «podem ocorrer constrangimentos em determinados períodos de funcionamento do Serviço de Urgência, com particular relevância durante os fins de semana, períodos que mais dependem do recursos a trabalho suplementar/extraordinário». Segundo o movimento «Médicos em Luta«, devem manter-se em novembro os constrangimentos na Via Verde Coronária e a Urgência de Pediatria deve encerrar, pelo menos, no primeiro domingo de novembro. A Urgência de Cardiologia encerrará nos dias 11,12,18 e 25 de novembro. Por outro lado, a 2 de novembro, o hospital anunciou o fecho da Urgência de Obstetrícia até às 9h do dia 6, devido à falta de especialistas para preencher as escalas. As grávidas devem dirigir-se a Coimbra.
Centro Hospitalar Tondela-Viseu (Hospitais de Viseu e Tondela): Em Viseu, a Urgência de Cirurgia Geral e a Urgência de Ortopedia vão encerrar no período noturno (entre as 19:30 e as 08:30 horas) durante todo o mês de novembro. A partir de 1 de novembro, o Serviço de Urgência Polivalente irá ativar o Plano de Contingência, «por manifesta incapacidade de assegurar, durante as 24 horas, a escala nas especialidades de Cirurgia Geral e Ortopedia, bem como na Via Verde Coronária». Segundo o movimento «Médicos em Luta», outros serviços poderão sofrer limitações, uma vez que 50% dos cardiologistas, 90% dos internistas e 70% dos anestesistas também entregaram as minutas de escusa a mais trabalho suplementar. Além disso, a Urgência de Cardiologia vai estar encerrada durante vários dia do mês de novembro (4, 7, 9, 10, 11, 14, 17, 21, 24, 28, 29 e 30).
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra: Em Coimbra, a situação é das menos graves em toda a região Centro. Ainda assim, de acordo com o movimento «Médicos em Luta», todos os especialistas de Medicina Interna entregaram escusa a mais horas extra, bem como 50% dos médicos do serviço de Cirurgia Geral, e a maior parte dos internos do serviço de Cardiologia. No caso da Cirurgia Geral, as minutas de escusa a mais horas extra entraram em vigor a 1 de novembro.
Hospital da Figueira da Foz: Na Figueira da Foz, o hospital local «enfrenta dificuldades no preenchimento da escala do Serviço de Urgência para o mês de novembro, principalmente nas especialidades de Cirurgia Geral e Ortopedia, devido ao elevado número de escusas a mais horas extraordinárias». A unidade hospitalar adianta ainda que «está a tentar resolver as ausências na escala com o apoio a prestadores externos». Segundo os «Médicos em Luta», a urgência de Ortopedia estará encerrada nos dias 4, 5, 11, 12 e 26 de novembro.
Centro Hospitalar do Oeste (Hospitais de Torres Vedras, Caldas da Rainha e Peniche): Segundo o movimento «Médicos em Luta», todos os médicos do serviço de Cirurgia Geral apresentaram escusa a mais horas extra, o que já está a provocar constrangimentos na Urgência externa de Cirurgia. A Urgência de Pediatria vai estar encerrada todos os fins de semana de novembro.

Região de Lisboa e Vale do Tejo
Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente): Este Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (CHULN) foi um dos primeiros, na região de Lisboa, a ser confrontado com minutas de escusa a mais trabalho extraordinário, ainda no final do mês de setembro. Fonte oficial do CHULN confirmou que quase todos os médicos do serviço de Cirurgia Geral e do Serviço de Pediatria apresentaram as minutas de escusa a mais horas extra, sendo, que, no caso dos cirurgiões, algumas já entraram em vigor a meio do mês de outubro. De acordo, com o CHULN, «em novembro, com a entrada em vigor de mais minutas de escusa, a situação pode complicar-se».
Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central (São José, Santa Marta, Curry Cabral, Capuchos, Estefânia, MAC): Neste centro hospitalar, o maior do país, que até agora tinha passado praticamente incólume pelo movimento de escusas às horas extra, já se começam a sentir os efeitos do descontentamento dos médicos. Segundo se apurou junto de fonte hospitalar, já foram entregues mais de 100 escusas a mais horas extra, sobretudo das especialidades de Anestesiologia e Pediatria. No caso da Pediatria, o cenário pode afigurar-se mais grave, podendo comprometer as escalas de novembro da Urgência do hospital D.Estefânia. No entanto, a mesma fonte refere que «o efeito das escusas sente-se menos no Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central do que noutros centros», e que, para já, «não se espera o adiamento de cirurgias» – uma realidade que já afeta alguns hospitais onde os anestesistas se recusam a prestar mais trabalho extra.
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (Egas Moniz, São Francisco Xavier, Santa Cruz): Quase todos os médicos (36 em 40) do serviço de Cirurgia Geral apresentaram escusas a mais horas extra, que entram em vigor a 1 de novembro, segundo o movimento «Médicos em Luta». Esta situação pode comprometer o funcionamento da Urgência de Cirurgia do Hospital São Francisco Xavier e da Urgência Interna do Hospital Egas Moniz. Este último hospital informou que «há enorme dificuldade em elaborar as escalas do mês do novembro». E adiantou também que a maior parte dos médicos do serviço de Anestesiologia apresentaram as minutas de escusa a mais horas extra. Em resultado disso, várias cirurgias programadas já tiveram de ser canceladas, uma vez que os anestesistas estão a ser desviados para o Serviço de Urgência.
Hospital de Loures /Beatriz Ângelo: No Hospital Beatriz Ângelo todos os médicos do serviço de Cirurgia apresentaram as minutas de escusa a mais trabalho suplementar, que entrarão em vigor a 1 de novembro, segundo o movimento «Médicos em Luta». Desta forma, pode ficar em causa o funcionamento da Urgência Cirúrgica num dos maiores hospitais da região de Lisboa. De forma oficial, o Hospital de Loures confirma que «o impacto das declarações de escusa ao trabalho suplementar para além das 150 horas pode vir a ser sentido na escala de Urgência de Cirurgia Geral». Segundo os «Médicos em Luta», a Urgência de Cirurgia vai encerrar em metade dos dias de novembro. Quanto à Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), o hospital Beatriz Ângelo admite que as escusas podem ter impacto «na capacidade de resposta da Unidade de Cuidados Intensivos, em que poderá ter que ser reduzido o número de camas disponíveis». Segundo uma fonte do Hospital o conselho de administração já determinou a redução do número de camas da referida UCI, uma vez que todos os médicos do Serviço de Medicina Intensiva se recusam a fazer mais horas extra a partir de novembro. Esta redução «terá um impacto nas cirurgias programadas, uma vez que muitas precisam de camas de Cuidados Intensivos».
Hospital Amadora-Sintra/Fernando da Fonseca: Neste hospital, que serve uma população de cerca de 600 mil pessoas, praticamente a totalidade dos médicos dos serviços de Medicina Intensiva e de Anestesiologia apresentaram escusas a mais horas extra, a vigorar a partir de 1 de novembro. Fonte oficial do Hospital Fernando da Fonseca admite que, a manter-se o impasse nas negociações entre tutela e médicos, «os cuidados intensivos e a anestesiologista serão afetados», o que pode levar ao adiamento de cirurgias programadas. Por outro lado, já é conhecido o encerramento da Urgência de Obstetrícia de segunda a quinta-feira, devido ao elevado número de escusas apresentadas pelos médicos. Perante a impossibilidade de assegurar escalas, o hospital está, desde 30 de Outubro, a desviar as grávidas para outros hospitais da região. «A terceira maior maternidade do país só vai funcionar ao fim de semana», confirma fonte oficial desta unidade hospitalar. Também o grande número de pediatras que se recusam a realizar mais trabalho extra levou a administração a anunciar o encerramento da Urgência Pediátrica no período noturno – limitação que já se encontra em vigor e por tempo indefinido.
Hospital de Vila Franca de Xira: Em Vila Franca de Xira, a escala da Urgência Pediátrica para o mês de novembro pode estar comprometida. Fonte oficial deste hospital confirmou que, a 30 de Outubro, a quase totalidade dos pediatras (23 especialistas) entregaram as minutas de escusa, «numa manifestação de solidariedade para com o movimento em curso». O hospital sublinha que não é possível adiantar ainda o impacto que a situação vai ter, mas uma fonte do hospital confirmou que «muito dificilmente a urgência poderá funcionar depois da entrega das minutas de escusa dos médicos».
Hospital Garcia de Orta: A Urgência Pediátrica deste hospital vai estar encerrada a partir de 1 de novembro no período noturno, entre as 20:00 e as 08:00 horas. «O encerramento noturno da Urgência Pediátrica resulta da incapacidade de assegurar as correspondentes escalas médicas», disse o hospital em comunicado, ressalvando que se mantém o «atendimento diurno todos os dias da semana». Fonte oficial do hospital confirmou que, a partir de novembro, entram em vigor «as minutas de escusa nas especialidades de Cirurgia Geral, de Pediatria e de Neurologia». Assim, a Urgência de Cirurgia Geral estará encerrada ao exterior aos fins de semana, e, acrescenta o hospital, «no caso da Neurologia, permanecem por assegurar várias escalas noturnas ao longo do mês, com impacto na resposta ao nível da Via Verde AVC». Por outro lado, quanto à Urgência Geral que tem «estado já a funcionar com equipas reduzidas se antevêem maiores dificuldades no mês de novembro». Ainda, de acordo com o movimento «Médicos em Luta», pediram escusa 100% dos pediatras, 80% dos anestesistas e a maioria dos médicos de Cirurgia Geral.
Centro Hospitalar Barreiro-Montijo: O Hospital do Barreiro vai encerrar a Urgência Pediátrica entre as 09:00 horas de 2 de novembro e as 09:00 horas de 6 de novembro, segundo confirmou a unidade hospitalar. Segundo o movimento «Médicos em Luta», os serviços de Obstetrícia e de Pediatria são os mais afetados. No segundo caso, em vários dias de novembro não estão asseguradas as escalas para manter em funcionamento a Urgência Pediátrica.
Hospital de Santarém: Em Santarém, fonte oficial do hospital local esclareceu que cerca de 40% dos médicos internistas mantêm o pedido de escusa para o mês de novembro. Já no serviço de Cirurgia Geral, a situação é mais grave, uma vez que quase 90% dos especialistas se recusam a fazer mais horas extra.

Região do Alentejo
Hospital de Portalegre: De acordo com o movimento «Médicos em Luta», todos os 18 médicos do Serviço de Cirurgia Geral apresentaram escusas a mais horas extra, o que está a levar ao cancelamento de atividade cirúrgica adicional.
Hospital de Évora: O Hospital de Évora informou que o Serviço de Urgência Pediátrica vai funcionar com uma equipa reduzida, constituída por dois médicos, durante o período da noite e madrugada, entre 1 e 3 de novembro . Segundo o movimento «Médicos em Luta», já foram adiadas cirurgias devido ao elevado número de escusas apresentadas pelos cirurgiões e internistas.

Reflexões finais
Efetivamente, os factos atrás relatados comprovam bem a deficiente organização e gestão do SNS por parte dos sucessivos Governos de António Costa (e dos vários Ministros da Saúde que se sucederam no cargo), desde 2015 a esta parte, especialmente nos últimos anos. Não apenas no que respeita à insuficiente dotação dos indispensáveis meios tecnológicos (designadamente os ligados à transição digital), dos necessários meios materiais aos serviços de saúde, e no que concerne à ausência de adequado trabalho em rede hospitalar, mas também, em particular, no que toca à escolha criteriosa (de acordo com o mérito e não segundo critérios políticos) de chefias médicas intermédias e superiores competentes, bem como no que diz respeito às carreiras e à remuneração dos médicos e dos enfermeiros dos Hospitais Públicos.
Têm sido estas carências que sobretudo têm vindo a agravar cada vez mais toda uma série de problemas graves e recorrentes dos referidos serviços de saúde, cuja solução se tem mostrado difícil de alcançar, quer por inércia e/ou incapacidade dos governantes, quer por inépcia e/ou incompetência dos dirigentes envolvidos no funcionamento do sistema, problemas estes que, no seu conjunto, têm contribuido para a cronicidade da crise do Serviço Nacional de Saúde.
Como consequência natural desta crise que, à medida que o tempo passa se tem vindo a deteriorar, o país tem assistido com grande preocupação e perplexidade, a intensas movimentações reivindicativas sem um fim à vista, sobretudo por parte da classe médica e em menor grau dos enfermeiros, mas que, sobretudo, têm sido mal geridas pelo Governo e pelos quadros responsáveis da saúde do setor público, situação esta que, como é natural, está a causar uma enorme inquietação e ansiedade à maioria dos utentes que diariamente recorrem aos Centros de Saúde e aos Hospitais Públicos e, em particular, aos serviços de urgência.
Esta situação de ruptura ganhou uma nova dimensão, quando Fernando Araújo, nomeado há mais de um ano pelo Governo (23 de Setembro de 2022), para o cargo de diretor-executivo do organismo responsável pelo planeamento e execução da «coordenação operacional do SNS» veio, em data recente, declarar publicamente que no corrente mês de novembro o país iria entrar «no pior mês de sempre nos serviços de urgência do SNS» e que «em caso de emergência médica, as pessoas se arriscam a não serem atendidas num hospital».
E Fernando Araújo disse mais: «Quando começamos a fechar serviços que são indispensáveis, como a “Via Verde Coronária” por exemplo, estamos a colocar em causa a vida das pessoas. Estamos a regredir 20 anos e a colocar em causa a vida das pessoas. E isto é o que mais me preocupa, (…) e é dramático.»
Como é óbvio, a maioria dos portugueses encarou este aviso deste alto responsável do SNS com redobrada preocupação, ansiedade e angústia.
O que se exige e espera do SNS
Os factos atrás sumáriamente descritos traçam em grandes linhas o panorama geral dos Centros de Saúde e dos Hospitais Públicos do SNS. Mas a questão seguinte será a de saber como irá evoluir, nos semanas e nos meses que aí vêm, a crise profunda em que se encontra mergulhado o Serviço Nacional de Saúde.

A este respeito, o primeiro-ministro em funções António Costa afirmou num artigo de opinião publicado a 6 de novembro no jornal Público que «agora que temos mais recursos financeiros e mais recursos humanos, seria inexplicável que não concentrássemos as nossas energias no sucesso da reforma da sua organização».
Como coloquialmente costuma dizer o povo, «tarde piou» o ainda primeiro-ministro. Isto, porque, como é sabido, logo no dia seguinte foi apresentar ao Presidente da República o seu pedido de demissão, aliás por razões que nada têm a ver diretamente com o SNS e com a má organização e gestão dos serviços de saúde pública por parte do seu Governo. Mas, às circunstâncias, causas e consequências da demissão de António Costa já nos referimos de forma detalhada numa crónica anterior, pelo que não faz sentido chamar de novo este tema à colação.
De modo que, retomando o tema da presente crónica, importa desde logo partilhar a conclusão a que chegou António Costa, ao fim de oito anos de liderança dos seus três Governos, ao afirmar que, efetivamente, mais do que aumentar o Orçamento do Estado para o setor da saúde, o SNS precisa urgentemente de uma «reforma da sua organização». E, digo eu, precisa igualmente de uma inadiável, eficaz e competente política de gestão de todo o sistema da saúde do setor público.
Ora, uma das questões mais relevantes a ter em conta para a reorganização e a gestão do SNS tem a ver com a ausência de uma carreira profissional atrativa para os médicos, aliada aos baixos salários e ao seu esforço e pressão permanente na prestação de horas extraordinárias que têm sido utilizados para manter de pé os serviços de saúde onde trabalham. Como toda a gente sabe, estes fatores constituem, por si só, verdadeiros bloqueios ao adequado desenvolvimento da profissão médica que se quer assente em padrões deontológicos e com normas de ética basilares mais exigentes quando comparadas com outras atividades profissionais. Na verdade, quem abraça esta profissão sabe bem que, mais do que uma mera profissão, se trata acima de tudo de uma missão. É uma missão que exige sacrifício de lazer, de costumes e de hábitos, independentemente do local, do estado anímico ou da disponibilidade pessoal de cada médico.
Acontece que as consequências desastrosas das políticas de saúde adotadas pelo Governo até à presente data estão a pôr inexoravelmente em causa a sobrevivência do próprio SNS e a conduzi-lo para um desfecho que, a prazo, pode tornar-se fatal. De facto, a situação no SNS está a degradar-se a olhos vistos devido ao facto de os seus serviços se sustentarem em centenas de horas extraordinárias, quando o que é preciso é atrair e fixar mais profissionais no SNS, com melhores salários e com menos horas extraordinárias.
Por outro lado, não é com a diminuição do horário para as 35 horas e um acréscimo de 500 euros no ordenado mensal para quem, designadamente trabalhe nas urgências, que os médicos se sentirão motivados.
Nestas circunstâncias, uma das medidas prioritárias para reerguer o moribundo SNS passa pela rehabilitação das carreiras médicas, estrutura fundamental dos serviços de saúde pública. Sem uma carreira médica bem estruturada, organizada e implementada, não haverá no SNS um atendimento médico minimamente aceitável e de boa qualidade.
Além disso, importa assinalar que o Estado investe milhares de euros na formação geral e especifica dos médicos. Sucede, contudo que, após terminarem essa formação, sem período algum de carência, um significativo número de médicos decidem rescindir contratos com as instituições onde trabalham passando para a medicina privada onde auferem melhores rendimentos, havendo, por outro lado, muitos casos de médicos que prestam trabalho como prestadores nas instituições com as quais rescindiram contratos. Ou seja, o Governo, ao não possuir um adequado mecanismo regulador destes procedimentos e por não querer assumir o tratamento definitivo da «doença do SNS», está ele próprio a cavar, à medida que o tempo passa, a sepultura daquela que é porventura a maior conquista social do 25 de Abril.
O Governo sabe disto mas tem empatado as negociações que há demasiado tempo se arrastam com os sindicatos médicos com vista à adequada resolução dos problemas profissionais da classe médica e tem continuado a prolongá-las desnecessariamente. E agora o Governo que, a partir de dezembro irá limitar-se a exercer uma mera gestão do país, corre um sério risco de nada resolver nesta matéria, a menos que, por milagre eleitoral, venha a decidir, à pressa, mudar de ideias…
Na prática, o que está a acontecer é que esta incapacidade do Governo tem vindo a traduzir-se num convite para que os médicos saiam do SNS. Está a convidá-los a sair do SNS e, no limite, do próprio país, pondo em sério risco a própria continuidade do SNS.
Efetivamente, as negociações feitas a conta gotas nada têm tido de terapêutico, apenas colocaram «pensos rápidos» em feridas que urge tratar ou que poderão perpetuar-se, podendo a sua cronicidade conduzir a uma «septicemia fatal para o SNS». Como se isto não bastasse, o terramoto político de 7 de novembro que levou à apresentação do pedido de demissão do primeiro-ministro e à convocação de novas eleições legislativas, em nada veio contribuir para ajudar a ultrapassar a gravíssima crise que afeta o SNS.
Reabilitar as carreiras de médicos e enfermeiros é, por isso, uma solução essencial para se iniciar uma verdadeira reforma do SNS que se quer honesta, dinâmica e capaz de conduzir as instituições e serviços que dele dependem a resultados dignos e a performances capazes de responder às reais solicitações das populações.
O que se pretende é um SNS robusto que sirva as populações que, de outro modo, por incapacidade financeira, ou por desconfiança sobre a qualidade dos serviços prestados, não recebem o tratamento a que têm direito nas instituições e serviços do sistema de saúde pública. Dito de outro modo, o SNS deverá ser o garante dos cuidados médicos para todos os cidadãos, independentemente do seu nível económico ou social, pois todos têm direito às técnicas mais modernas, eficazes e complexas de meios de diagnóstico e de tratamento.
Os portugueses, sobretudo os mais desvalidos, anseiam por um funcionamento competente, eficaz e urgente do SNS. Mas, o que se passa atualmente no SNS é calamitoso para qualquer dos seus serviços ou instituições e para os seus respetivos agentes de saúde. E esta situação de caos não pode deixar de ir a claro débito do Governo chefiado pelo ainda primeiro-ministro António Costa.
Não. Não precisamos de aumentar o Orçamento de Estado para o SNS. Precisamos, sim, de regras e de mecanismos que o regulem! Sem carreiras médicas e sem regulação adequada, manter-se-ão inevitavelmente as enormes dificuldades com que se deparam os Centros de Saúde, bem como o caos que reina nos Hospitais Públicos, quebrar-se-á o elo de confiança entre os cidadãos utentes e o SNS e arriscamo-nos a assistir, a prazo, ao colapso do próprio Sistema Nacional de Saúde.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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