Uma das coisas bonitas do Kuito são os jardins. Regra geral tanto o espaço público como o privado tem sempre um verde aromático e muito arranjado. Curiosamente, flores nem tanto, mas os arbustos e relva é «sagrado». Aparados como um bom corte de cabelo.

O «nosso» jardineiro é o Paulo, natural do Kuito. Trabalha por contra própria, colectado como prestador de serviços, tendo muitos clientes, como quadros relevantes, tanto do Estado ou Privados. A dra. Lourdes, nossa administradora, é que o selecionou, porque não quer ver o seu espaço com capim ou ervas daninhas. E os arbustos são quase medidos com um nível porque têm de estar num plano.
O Paulo tem cerca de 40 anos e sete filhos. A esposa trabalha na lavra, «segredo» da sobrevivência de grande parte dos africanos que habitam em terras férteis com água abundante.
A escola nunca o cativou, mas mesmo assim consegue ler e escrever, e cedo começou a trabalhar na construção civil. Só que notava que as suas «mãos» podiam ir mais longe. Assentar tijolos com a massa tão direita, era cansativo e demorado.
Resolveu então oferecer-se para capinar relva. Com as suas «mãos» rapidamente começou a ser solicitado para trabalhos de jardim, passando a usar as máquinas de corte e hoje já poda algumas arvores. As copas parecem «árvores de Natal» mais modernas, aquelas compradas nas lojas de decoração.
Enquanto trabalha ouve música religiosa, da Igreja Evangélica, mas cantada na língua materna: o Umbundo, ajudando-o a concentrar e a sentir que o tempo passa mais depressa.
O Paulo é um homem sereno e educado. Tem alguma dificuldade em falar a língua portuguesa, mas esforça-se e conseguiu dar-me a entrevista sem problemas.
Estas profissões são começam a ser raras na Europa. Para além dos custos há a questão dos resíduos que precisam de papelada e licenças, etc.
Por isso assim interessante falar com alguém que desenvolve um trabalho de artífice, e nem imagina, daqui a uns bons anos, a importância que terá no mercado de trabalho.
Porque é curioso. Abanando uma árvore normalmente caiem imensos Doutores e Engenheiros. Mas capinadores já é difícil, cada vez mais difícil.
Kuito, 17 de Novembro de 2023
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Sempre poderás ser um engenheiro, jardineiro e escritor. Acho que serás bom em tudo. Abraço