Na terceira crónica sobre o meu bairro abordo em exclusivo o facto da imprensa escrita a seguir ao terramoto de 1755 ter assentado arraiais nas ruas do Bairro Alto. (parte 3)
BAIRRO ALTO (3)
os antigos palácios eram propícios
à instalação dos jornais
por isso foi nesses edifícios
que eles assentaram arraiais
as cocheiras e cavalariças
foram as indispensáveis tipografias
por serem construções maciças
que requisitavam poucas melhorias
o bairro alto aglutinou
toda a imprensa escrita nacional
todo o jornal ali morou
mais tempo ou de forma ocasional
mas outras instituições
com a imprensa relacionadas
«poisaram» nas imediações
e por ali ficaram sediadas
foi o caso do exame prévio, censura
onde toda a notícia era submetida
pedra basilar da odiosa ditadura
que a 25 de Abril foi abolida
a Hemeroteca ali habitou
com os arquivos dos jornais
dos títulos só «A Bola» sobrou
mas vai-se embora como os demais
porém como duas carícias
para nos avivar a memória
as ruas do Século e do Diário de Notícias
são o que resta desta história
e o bairro alto ficou mais pobre
com o êxodo da imprensa escrita
o jornalismo é uma atividade nobre
se a deontologia for a bíblia do jornalista
Bairro dos jornais, da censura e da boémia
As empresas de comunicação social surgiram na segunda metade do século XIX ocupando palácios que estavam ao abandono. Os jornais concentraram-se no Bairro Alto e transformaram o bairro na sede da imprensa escrita em Portugal. E como os jornais eram impressos durante a madrugada os bares começaram a ficar abertos até mais tarde ou a abrir muito cedo «chamaram» todo o tipo de clientela, desde boémios a prostitutas.
Desde os principais títulos aos menos conhecidos praticamente todos estiveram na zona. Vou destacar os mais importantes:
– «O Século» – fundado pelo jornalista Sebastião de Magalhães Lima foi publicado entre 8 de Junho de 1880 e 12 de Fevereiro de 1977, data em que foi suspenso, ocupou o Palácio dos Viscondes de Lançada e originou que a Rua Formosa fosse batizada de Rua do Século;
– «Diário de Notícias» – fundado em 1864 pelo jornalista e escritor Eduardo Coelho e pelo industrial tipográfico Tomás Quintino Antunes teve sede na Rua dos Calafates que mudou de nome para Rua do Diário de Notícias em referência ao importante jornal;
– «Diário Popular» e «Diário de Lisboa» – nascidos em 1942 e 1921 respectivamente eram vizinhos na Rua Luz Soriano;
– «Capital» – foi publicado entre 21 de fevereiro de 1968 e 30 de julho de 2005 e morava na Travessa do Poço da Cidade;
– «Record» – desportivo nascido em 1949 foi fundado pelo atleta Manuel Dias, o jornalista José Monteiro Poças (de A Bola) e o professor de Educação Física, Fernando Ferreira, que foi o primeiro director. Teve sede na Travessa dos Inglesinhos;
– «A Bola» – desportivo fundado por Cândido de Oliveira, António Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo, nasceu em 1945 e é o único jornal a manter-se no bairro mais precisamente na Travessa da Queimada. Com a venda do título ao grupo suíço de media e tecnologia Ringier Sports fala-se na saída do Bairro do último resistente.
Também a odiosa censura teve sede no Bairro e ali manietou os jornalistas impedidos de escreverem as notícias que não convinham ao regime fascista.
Vou terminar esta crónica relatando a maneira brincalhona como se tratavam os jornalistas do Record e de A Bola quando se cruzavam e olhavam as capas dos jornais no meu quiosque:
– eh pá ó Luís atende lá esse inimigo para depois me atenderes a mim!
– Amigo Luís não lhe dês prémios guarda-os para nós! – replicava o outro que não se ficava. Mas recordo sempre a relação saudável entre aqueles jornalistas, clientes e amigos, que por vezes comentavam entre eles as notícias que, por vezes, não «podiam» publicar.
Na próxima crónica vou-me debruçar sobre os nomes das ruas do Bairro Alto.
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«Quiosque da Sorte», poesia de Luís Fernando Lopes
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