7.º ANO – Iniciámos o ano lectivo com o habitual retiro. (parte 10)
(Continuação)
7.º ANO NO SEMINÁRIO MAIOR DE ÉVORA
Os professores continuaram os mesmos do 6.º ano, à excepção de Filosofia, que passou a ser o reitor, Monsenhor Mendeiros. Já não sei se por exigência da aula de Literatura, se por iniciativa própria, comecei a passar para um caderno muitas poesias de clássicos. Às tantas pedi ao Mendes, do 6.º ano, natural de Caria, que me ajudasse no trabalho. Ainda guardo esse caderno. Por ser aplicado no estudo, uma vez já após a hora de fechar as luzes, estando eu a estudar, talvez porque tivesse ponto no dia seguinte, bateu-me à porta o prefeito e levei um raspanete por não cumprir o regulamento. Eu bem pus a capa a tapar a luz mas, mesmo assim, fui descoberto.
Na aula de Religião e Moral aprendi que contrabandear não era pecado, já que não ofendia nenhuma lei de Deus ou da Igreja, mas tão só do Estado. Fixei isto por ser de Quadrazais, terra com muitos contrabandistas.
Também por aqui passavam alguns missionários. Um deles foi um padre já velhote, missionário no Brasil que, numa palestra, nos informou da sua vida missionária. Era ele o autor de uma bonita canção:
«Não há, ó gente, ó não
Lugar como esse do sertão!»
De vez em quando a missa dominical era na Igreja do Espírito Santo na outra parte da antiga Universidade, mais tarde reparada para albergar a nova universidade de Évora.
Eu quis aprender a tocar piano e tive algumas lições, mas quando praticava sozinho, tocava mais cantigas, como Marina, Marina, que os trechos indicados.
No recreio jogávamos vólei, basquete e hóquei. Eu havia comprado uns patins usados ao meu primo, que entretanto abandonara o seminário. Até fiz um stik de carvalho na terra e levei-o atado à mala. Para me contrariar, o prefeito, padre Adriano, mandou-me jogar vólei. Danado, atirava as bolas com força para uma propriedade privada murada e de difícil acesso. Tive um sermão na capela.
Na ala oposta ao refeitório havia a sala do capítulo, que nós apelidávamos de sala das carapuças, onde o reitor semanalmente enumerava o que algum havia feito de mal. Mandou-me uma indirecta, dizendo que ninguém poderia ir para Lisboa passar férias. Eu já tinha combinado com o Baleizão ir com ele voar, já que ele tinha de fazer uns tantos voos por ano para manter o brevet. Eu tinha o meu irmão a viver em Lisboa e ficaria com ele um dia ou dois. Constou-se que eu iria com o Baleizão e o acusa cristos do Esteves foi meter a notícia no rabo do reitor.
O reitor, Monsenhor Mendeiros, de Estremoz, de vez em quando escolhia um à saída da capela para lhe pregar algum sermão à volta dos claustros.
Uma vez, ia eu a sair da capela depois do jantar, levantou-se ele para me apanhar. Deixei-o sair pela porta do claustro e eu saí pela do fundo que dava acesso ao recreio. Ficou fulo com esta finta. Eu já estava a calçar os patins quando um colega me veio chamar a pedido do reitor. Lá tive de vir para os claustros.
Andei à roda com ele, que estranhou eu nada lhe ter dito sobre a minha ida para Lisboa. Respondi-lhe que não ia para Lisboa, mas sim por Lisboa. Acabou por dizer-me que já havia falado com o Baleizão para não me levar. Com mais esta contrariedade, tomei a decisão de não regressar de férias para o seminário.
Pelo 10 de Junho visitámos Faro com a Sé, o museu e o Colégio do Alto, as ruínas de Estói, Silves, Praia da Rocha, Ponta de Sagres e Ferragudo. De regresso as luzes da camioneta avariaram e teve de ser a Brigada de Trânsito a guiar-nos.
Nessas férias de Verão o habitual encontro seria em Fátima. Não fui. Ainda me escreveram a dizer que voltasse ao redil. Não regressei mais, com que desgostei minha mãe.
Tive notas no 7.º ano para receber o prémio Pio X, mas já não o cheguei a receber, por ter abandonado o seminário. Foi o Simão, meu conterrâneo, quem me trouxe a mala na camioneta que habitualmente alugavam os da zona do Sabugal. No armário do quarto ficou a batina, roquete, faixa, barrete e capa. Ainda pedi ao Raúl Gaião, dos Fóios, aluno do 6.º ano, que mos vendesse mas nada conseguiu.
No oitavo ano terminava o curso de Filosofia (6.º, 7.º e 9.º anos). Quem quisesse ser ordenado padre teria de frequentar o curso de Teologia (9.º, 10.º 11.º e 12.º anos).
Para matar saudades desses tempos, os ex-seminaristas residentes na zona de Lisboa reúnem anualmente em Lisboa ou arredores. Outros reúnem no Norte, outros no Centro e outros no Sul. Anualmente, na festa da casa no dia 2 de Fevereiro, dia da Senhora da Purificação, padroeira do seminário de Évora, é homenageado em Évora um antigo professor ou personalidade ligada ao seminário. É a reunião dos Lasistas (Liga dos antigos seminaristas de Évora) com a presença do Presidente da LASE, cónego Fernando Marques, que sucedeu a Monsenhor Mendeiros. Por vezes somos surpreendidos pela morte de algum antigo colega. Também a antiga «Página dos Seminários», agora «Ecos da Lase», separata de «A Defesa», jornal diocesano, nos dá conta de alguma morte ou de factos relacionados com os antigos colegas.
Cada vez são menos os presentes, até porque nos últimos vinte anos poucos foram os que frequentaram o seminário. Para os suprir, vão a esses encontros esposas e filhos dos lasistas. Para além da missa numa igreja ou capela variável, com uma curta palestra, há sempre o tradicional almoço num restaurante agradável escolhido pelo delegado da Lase, seguido da visita a um museu ou lugar histórico, como foi o caso do Museu do Dinheiro num ano, do Museu de Vieira da Silva e Arpad Szènnes noutro, dum almoço na Trafaria precedido de missa na igreja de São Pedro noutro ano, tendo atravessado o Tejo em cacilheiro a partir de Belém, outro em Samora Correia, outro em Sintra com visita do palácio e Quinta da Regaleira com guia, outro no restaurante «As Chaminés» no palácio da Independência em Lisboa, com visita do palácio e jardins com a história das reuniões secretas dos conjurados da Restauração, e ainda outro junto da Igreja de São Tomás de Aquino ao lado da estrada da Luz em Lisboa, com visita do Centro da comunidade ismaelita.
Com a Covid-19, não houve encontros em 2019 e 2020, mas foram retomados em 2021.
Aquando do cinquentenário da entrada no seminário, em 2005, reunimo-nos em Vila Viçosa, com missa na igreja das Chagas e visita das Chagas, agora transformada em Pousada D. João IV, tendo visitado o seminário dos Agostinhos, onde almoçámos. Por serem tão poucos os alunos, a camarata foi transformada em quartos, alguns dos quais são alugados a quem o visitar. Ainda se juntaram muitos dos 64 iniciais, agora já com a família.
Por gratidão para com o seminário, que nos ajudou a ser homens, a Lase instituiu uma quota anual para ajudar o seminário. De um modo geral todos pagam pois sentem ser um dever de gratidão.
(Fim)
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«Quadrazenhos no Seminário», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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