O Bartolomeu descende de uma família ligada à agricultura, tendo conseguido fazer a 3.ª Classe, mas nunca deixando de trabalhar na lavra com seus pais e irmãos. Mas a lavra dava alimento, como mandioca, milho, feijão, batata doce e batata rena, ou seja, a batata que temos em Portugal.

Somos praticamente da mesma idade. O Bartolomeu é angolano de nacionalidade, tendo, no entanto, nascido ainda sob a administração portuguesa, na aldeia de Cateia, município do Kuito, província do Bié.
A sua casa nunca teve água nem luz. A água era transportada em bacias desde o Rio Catembo.
Logo após a independência foi mobilizado: «Um camião passou na aldeia e procurou convencer os jovens a aderirem às fileiras, tendo acabado por aceitar.»
Teve treino militar na zona da Kangamba, perto da fronteira do antigo sudoeste Africano, durante quatro longos meses.
Depois de «pronto» foi destacado para a província do Luena, no sudeste de Angola, cuja capital é a cidade do Moxico.
A sua frente de combate era na zona de Munhango, só que por volta de 1977, o seu coração começou a fraquejar e surgiram problemas de audição. Ainda hoje sente dificuldades em ouvir.
Conseguiu ser transferido para o Hospital do Luena, onde permaneceu cerca de três meses. Sofria de stress de guerra, ou transtorno de stress pós-traumático.
Quando teve alta médica, o Bartolomeu deu uma volta e foi para a estação dos Caminhos de Ferro de Benguela (CFB), para apanhar o comboio de regresso ao Kuito: «Foi Deus que me iluminou, sentia em mim que a guerra não era para mim, e duvido que saísse de lá vivo. Perdi muitos amigos e um irmão.»
E assim partiu ainda nos antigos comboios a vapor, refugiando-se na sua casa na aldeia de Cateia, continuando a sua vida de agricultor, agradecendo hoje ainda a Deus, por nunca ter sido atingido.
Na sua aldeia conheceu a sua actual esposa, tendo tido oito filhos, perdendo quatro por doença. Casou na Igreja Católica do Catembo, que hoje ainda existe
Porém o conflito chega ao Kuito, ficando a cidade dividida. Foi um período complicado porque tinha de andar com a família em esconderijos fugindo ao confronto: «A comida era atirada por aviões, em sacos, só que entre nós havia muita disputa pela comida, talvez sendo o período mais difícil.»
O Bartolomeu é pessoa de não se envolver em contendas e, por vezes, havia um saco que caía perto de si.
Sem dúvida que este homem é um sobrevivente, e hoje mantém a família unida, tendo já sete netos.
Ambos adoramos a tranquilidade do Kuito. Sem dúvida é uma cidade aprazível, com pouca delinquência, e passamos horas a conversar nos fins de semana, ao som das minhas cachimbadas.
«O Kuito tem vindo a crescer nestes últimos anos. Antigamente não se via gente nas ruas, mas a juventude está a vir para cá para trabalhar na agricultura.»
Continua saudável. A mulher vai trabalhando na lavra e nas folgas o Bartolomeu ainda pega na sua enxada. Toda a ajuda é sempre pouca, porque nestas famílias há muitas bocas para alimentar.
Na verdade, não há melhor vida do que usufruir da paz!
Kuíto, 4 de Novembro de 2023
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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