6.º ANO – Dos sessenta e quatro que entraram no 1.º ano só sete passaram ao 6.º ano em Évora: Eu (Franklim), Jacinto, Palmeiro, Sabino, Júlio Aço, José Alves e Vasconcelos. Acompanharam-nos o Tavares e o Bairrada, que pertenciam à Congregação do Preciosíssimo Sangue e o Simão, que entrara um ano antes, mas repetira um ano. Destes apenas quatro haveriam de ser ordenados padres: Sabino, do Ciborro, Júlio Aço, de Évora, José Alves, da Lageosa da Raia, que viria a ser Arcebispo de Évora, e Vasconcelos, de Moimenta, ordenado já no Brasil, onde haveria de chegar a Bispo do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o Sabino haveria de abandonar mais tarde a vida sacerdotal. Dos que ficaram para trás também haveria de ser ordenado o Baltazar, de Barbacena, que mais tarde abandonou a vida sacerdotal. (parte 9)
(Continuação)
6.º ANO NO SEMINÁRIO MAIOR DE ÉVORA
O Seminário Maior de Évora era um edifício do século XVI, onde havia funcionado parte da Universidade de Évora fundada pelo Cardeal-Rei D. Henrique. O claustro, rectangular, estava dividido em duas partes por um corredor que vinha da portaria para a capela. Na primeira parte havia laranjeiras, um poço e uma imagem de um anjo em mármore branco. Na segunda parte estava uma imagem de Nossa Senhora, também em mármore branco. A fechar este claustro ficava o refeitório. À direita era a sala de estar, com televisão. Era a primeira vez que via uma televisão. À esquerda havia umas escadas que levavam ao primeiro andar e ao sótão. Ao lado da portaria, já na segunda parte do claustro, havia outra escadaria que levava aos quartos no primeiro andar. Seguiam-se as salas de aula e, ao fundo, as casas de banho. Fechava o claustro a sala das carapuças. Ao lado direito desta era uma pequena biblioteca e depois a capela da Senhora da Purificação. Esta tinha uma porta que dava para o claustro e outra que dava para as escadas que levavam ao recreio e à grande biblioteca.
O 6.º ano no Seminário Maior de Évora iniciou-se com o habitual retiro.
Em Évora, como já éramos tão poucos, desde o 6.º ao 12.º ano vivíamos mais juntos, na mesma capela e recreio. Apenas nas aulas éramos separados. Os dez ficámos numa camarata no segundo andar. À medida que iam vagando os quartos individuais, iam para lá os mais velhos. Até que chegou a minha vez. Tocou-me um quarto que dava para a rua. Mudaram-me para um que dava para o claustro por acuso do Esteves, de Aldeia do Bispo, que intrigou junto do reitor, dizendo que eu dali via as moças que passavam em frente.
No refeitório havia um púlpito donde líamos, à vez, o Martirologium Romanum antes do jantar. Era refeitoreiro um leigo – o Florindo.
No Outono de 1959 a estiagem continuou severa e não havia meio de chover. Fez-se uma procissão pelas ruas de Évora até à Sé a pedir chuva a Deus. Eu ia de ceroferário com o Bairrada, atrás do Senhor dos Passos. Então não é que, já perto da Sé, desata a cair uma tal carga de água que fiquei que nem um pinto!
O porteiro era o Sr. Fernando, de Avanca. Aqui usávamos uma capa. O sr. Fernando fez algumas, entre as quais a minha.
Os professores eram: de Religião e Moral o padre Adriano, de Latim não me lembro quem era, de Filosofia o padre Guerreiro, de Grego o cónego Sebastião dos Reis, de Literatura Portuguesa e de Música o cónego Alegria. O director espiritual era o padre Louro, de Cardigos, que estava sempre com umas pedrinhas na mão, amante que era de arqueologia, e de Ginástica era um militar. Por me ter magoado a saltar o plinto no ginásio noutro edifício, ao lado do refeitório, fui dispensado de fazer este exercício.
No último ano estavam o Poço, o Vidigal e o Casimiro. Creio que os dois últimos foram ordenados. No entanto, o Vidigal passou a ser professor num colégio em Fronteira, do padre Manuel Baleiras, de Oledo, onde também foi professor o Joaquim Mileu.
Era hábito fazer-se uma festa de despedida aos do último ano pelos do ano anterior, que guardavam o segredo até ao próprio dia. Lembro-me que, um dia, acordámos ao som da ópera de Verdi. À noite houve teatro no ginásio, no qual participou o Botelho, de Alfaiates, o Madureira, de Cinfães, que chegou a bispo do Algarve, e o Santa Cruz, entre outros.
Nesse ano celebrou-se, em 1 de Novembro, o 4.º centenário da inauguração da Universidade de Évora criada em 1559 nos tempos do cardeal-rei. Estiveram no seminário inúmeros bispos e arcebispos de toda a Europa, todos engalanados com capelos das suas universidades para festejar a data.
Continuámos a ter dois passeios semanais. Íamos de fato preto e chapéu. A mim, franzino que era, mal se me segurava o chapéu na cabeça.
Continuavam a ler-nos as cartas. O prefeito era agora o padre Adriano, do Paúl (Covilhã). Com 16 anos, estava em idade de rebeldia. Não tinha nada a esconder mas chocava-me que me lessem as cartas de meus pais e ainda mais as que eu lhes enviava. Vai daí, lembrei-me dum estratagema. Como o Baleizão, vindo de Moçambique com o Cordeiro, trazidos pelo Cónego Alcântara Guerreiro, que tinha brevet de aviador, andava muito depressa, eu gostava de o acompanhar e assim nos distanciávamos dos outros. Ao passar pelo marco do correio nele depositava as minhas cartas.
O Baleizão haveria de ser a origem da minha saída do seminário, como contarei no texto do 7.º ano.
Numas férias da Páscoa ficámos no seminário a limpar e organizar a biblioteca e andámos pelo sótão a deitar pedrinhas para o quarto do Madureira através duns buracos que o tecto tinha. Era eu, o Sabino e o Tavares, creio.
Íamos muitas vezes em passeio à esmerada Quinta da Malagueira e também à de Santo António, esta da arquidiocese, onde funcionava um lar para os sacerdotes retirados do activo. Uma ou outra vez íamos para os lados do campo do Lusitano e para junto das piscinas de São Bento.
Os claustros do seminário estavam apinhados de pedras com história trazidas sobretudo pelo Sr. Carrajeta.
Festejámos o 4.º centenário da morte do Infante D. Henrique em 13 de Novembro de 1960 com exibição do coro e uma canção a ele dedicada: «Portugal das Caravelas.»
Quando ia à Sé, eu tinha que dar ao fole para o padre Adriano tocar o órgão. Num lava-pés fui um dos escolhidos e foi o arcebispo que mos lavou.
No fim do ano costumava um dos professores fazer a oração de sapiência. Tocou a vez ao padre Guerreiro, professor de Filosofia.
Visita ao Bussaco, Coimbra e Braga
Em 10 de Junho de 1960 fomos em visita ao Bussaco, Coimbra e Braga. No Bussaco visitámos o palácio e a mata. Em Coimbra visitámos o convento de Santa Clara a Velha e Santa Clara a Nova, a Universidade com a sala do Capítulo e a biblioteca, a Faculdade de Medicina onde pudemos ver algo por um microscópio, o Jardim Botânico, o Museu Machado de Castro e Conímbriga. Em Braga visitámos a Sé, o Sameiro e o Bom Jesus.
Certo dia fomos em passeio grande até à Quinta do Espinheiro, onde está sepultado Gil Vicente. Aí vi pela primeira vez árvores de fruta do conde ou ateiras. Alguns foram de bicicletas alugadas. Eu mal sabia andar nela, mas consegui lá chegar.
Por ter passado com média de dezasseis valores ou mais, recebi o diploma de São Pio X ou Leão X.
Retiro em Singeverga
No meio das férias reunimos para retiro em Singeverga, mosteiro beneditino para onde entrou o fadista Frei Hermano da Câmara e onde produziam o célebre licor de Singeverga. Visitámos a região de Roriz, em Paredes, com sua igreja de Nossa Senhora da Assunção e Santo Tirso. O grupo do Sabugal regressou pelo Porto, que visitámos, e dormimos numa pensão na Baixa, tipo espelunca com percevejos.
(Continua)
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«Quadrazenhos no Seminário», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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