Naquele dia a ti Maurícia, estava exausta, deprimida e ansiosa que Deus a levasse.
Eu tinha chegado de férias e estranhei a ausência da ti Maurícia na paragem da camioneta. No dia seguinte, mal acordei, ainda lusco-fusco, aperaltei-me, convencida de que tinha de parecer cachopa crescida e vá de olhar a Xalma para ver o oiro chegar ao cocuruto.
Qual pequeno-almoço qual carapuça, preferia voltar a ser catraia e ir de casa em casa a bebericar café aqui, café acolá. Voltei ao quarto, vesti outro vestido mais usado, calcei as alpargatas velhas, pus um avental guardado e… «ó pira-te que ela lá vai». Ninguém diria que eu não era a catraia de sempre.
– Ai mem Lina! Não me digas que esse vestido ainda te serve! Ai Rábia te pele! Atão o vestido já nem te tapa os joelhos!
– Pois Baia, ti Maurícia, e os meus joelhos têm muito frio ou são feios?! Mas diga-me lá, já nem me vai esperar à camioneta nem nada?!
– Sabes, Lina, já nem força tenho nas pernas!
E desatou numa ladainha de lamúrias.
E eu vi… era fraqueza dos mil cansaços, da míngua de pão e de agasalho e até de lenha para manter o lume aceso.
A ti Maurícia enviuvara com idade para ainda ser cachopa solteirae não tivera filhos nem irmãos. Não tinha quem lhe enviasse dinheiro de França, nem quem lhe acareasse sustento na sua velhice.
Agora, que as suas parceiras só vinham de ano a ano à «Terra» nem sequer lhe valiam na ajuda de lhe achegarem um feixezinho de galhos, ou na apanha dumas «poqueninas» de batatas que teimava em semear. E as lágrimas lavavam-lhe o rosto. Fui espreitar a gaveta da mesa pequena, mas qual quê? Nem restos de carne cozida, nem queijo fresco quanto mais queijo duro! Mas afinal o que tem para comer?
E uma raiva infinda, uma revolta de me sentir tão incapaz, cravou-se em mim e fugi… Voltei minutos depois, com pão, leite, queijo… Mas não era aquilo que eu precisava encontrar para trazer… Era amor, companhia, agasalho da solidão, aconchego e conforto no pequeno lar, não só naquele dia, mas para sempre.
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«Gentes e lugares do meu antanho», poesia de Georgina Ferro
(Poetisa no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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