Chama-se Rosa Maria Diogo Veríssimo. É nossa vizinha há anos em Aldeia de Joanes, numa ruralidade familiar cada vez mais abandonada por falta de apoios, pela deserção dos jovens e pelo despovoamento do cada vez mais idoso mundo rural.
Rosa Maria Diogo Veríssimo nasceu em 1933 a 23 de Dezembro mas os seus pais registaram-na no dia 25, por se celebrar o nascimento do Menino Jesus, um feliz presente de Natal. Os partos faziam-se nas residências das parturientes, e no caso deste, assim aconteceu junto à Igreja Matriz de Aldeia de Joanes. Naquela moradia familiar ainda nasceram mais duas irmãs e dois irmãos.
Filha de João Fernandes Diogo e de Maria da Ressurreição Veríssimo, o pai era um exímio agricultor e famoso podador, realizando trabalhos neste sector, nos concelhos do Fundão, Castelo Branco e Vila Velha de Rodão. A mãe doméstica, também tinha uma tarefa importante, administrava a vida da casa e cuidava dos filhos.
Frequentou a Escola Primária, hoje edifício em ruínas, situado no actual largo 25 de Abril, com a professora D. Augusta, com quem fez exame da 3.ª classe, que «foi muito importante para a minha vida».
Aos seis anos já trabalhava na agricultura, nas Quintas da família dos Carvalhos, na Quinta das Tílias e na Quinta do Senhor Norberto. Era assim a sina dos pobres…
Aos sete anos com a mãe, iniciou-se como forneira, aprendendo no Forno da Senhora Maria Rosa, junto ao actual Lar de Nossa Senhora do Amparo e da Fonte de Abastecimento de água à população e com bebedouro para os animais. Com esta idade já amassava a farinha numa maceira de madeira. Mais uns anitos, já colocava sozinha o pão no forno a lenha com a temperatura ideal.
Aos vinte e dois anos casa com Joaquim Salvado Rodrigues, um trabalhador rural, que trabalhava com jorna diária, e mais tarde na Firma Lambelho e Ramos de Aldeia de Joanes.
Com fracos salários, com três filhos, o marido no dia do décimo aniversário do casamento, decide seguir a «Salto» para terras de França. Na EN 343, junto à Capela de São Sebastião dão a últimos abraços e beijos. A Rosa Veríssimo chorosa desce na direcção poente para a povoação, e o marido segue a direcção nascente para o Fundão, com uma saca de roupa e de sonhos. Naquela vila, num local clandestino, espera-o um passador juntando-se a outros companheiros de aventura emigratória, com destino a França. Passados uns dias, Rosa Veríssimo já tinha boas notícias do marido, a chegada ao seu destino e trabalho garantido. Esteve sete anos na França e três na Suíça, onde ganhou dinheiro para fazer uma casa e comprar um pequeno terreno agrícola, na zona de Santiago em Aldeia de Joanes.
No tempo da emigração do marido, aconteceu-lhe a maior tragédia familiar, a morte de uma filha com treze anos, que conjuntamente com a mãe, na hora do jantar tinham comido cogumelos, desconhecimento que eram tóxicos para a saúde. O resultado foi fatídico, a morte da filha jovem e a mãe com internamento hospitalar, cujo salvamento, «o devo ao meu período menstrual».
«A minha dor foi tão grande, tão profunda que me vesti totalmente de preto, até os lençóis da cama eram daquela cor. Todos os dias passo pelo cemitério, onde infelizmente já lá tenho duas filhas e o meu marido. Aproveito também para passar pelo meu terreno agrícola, e dar de comer aos meus gatinhos, que estão sempre à minha espera.»
Com este trágico acontecimento, o pai da menina decidiu a não regressar a sua vida profissional na Suíça.
Esta heroína construi um forno no seu terreno agrícola, arregaçou as mangas, e chegou a fazer oito fornadas de pão caseiro por semana, com qualidade e fama reconhecida, adquirindo clientes locais, do Fundão, do Tortosendo, da Covilhã e até de Castelo Branco.
O pão que saía das suas mãos tinha os seus segredos, local arejado, asseado, boa farinha, boa amassadura com fermento natural, água corrente e pura da fonte, aquecimento a lenha, num tempo adequado, com necessário controle e vigilância.
Ainda chegou a fazer fornadas para eventos da Junta de Freguesia, da Paróquia, da Associação Cultural e Recreativa e Desportiva de Aldeia de Joanes e outras instituições.
Dotada de grandes dotes musicais participou em diversas actividades musicais, na gravação de um C.D. sob o tema «Ao Cimo dos Olivais», do Grupo de Cantares de Aldeia de Joanes.
Vive junto à Capela de Nossa Senhora do Amparo, uma zona histórica da Aldeia de Joanes, onde já habitaram uma centena de pessoas, e presentemente tem meia dúzia de residentes. «Há dias que aqui não se vê ninguém.»
Quanto à sua Aldeia, «já não é o que era. Tínhamos a festa de São João, de São Pedro, padroeiro desta Paróquia, de São Sebastião e tantas Festas Populares…»
A Fé em Jesus Cristo acompanha-a sempre, de uma prática religiosa, sempre presente, «tenho muita gente amiga me pede para rezar orações pelas suas intenções, aprendidas na adolescência, “As Doze Palavras” e “Os Anjos Acompanhados”».
Recorda os párocos, principalmente o Padre Acácio Marques dos Santos, que a casou e pelos bons concelhos que lhe deu, e do Padre Manuel Joaquim Martins, sempre junto dos seus paroquianos, um verdadeiro pastor.
Perguntando-lhe que outro caminho também gostaria de dar à sua vida, se fosse jovem, «ser freira e ajudar outras pessoas necessitadas».
Esta crónica pretende fazer memória de pessoas que estiveram ao serviço da comunidade onde estão inseridas, onde sentem o bairrismo da sua terra. Esta dá a conhecer «Rosa Branca, uma mulher coragem», que lutou contra tantas vicissitudes e amassando a farinha com a cor da neve, resultando um pão com certificado de qualidade e sabor, de que tenho muitas saudades.
Terminou a nossa conversa com uma frase lapidar: «A minha vida dava um grande filme! Ai se dava!»
:: ::
«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
:: ::
Leave a Reply