Nesta segunda crónica sobre o meu bairro abordarei o período a seguir ao terramoto de 1755 até meados do século passado. (parte 2)
O facto de o Bairro Alto ter sofrido menos com o terramoto de 1755 implicou que ele se tornasse uma ilha na cidade com características únicas à porta das zonas nobres do Chiado e da Baixa lisboeta.
Quase todos os jornais tiveram as suas redações e tipografias no bairro. O nascimento do Conservatório Nacional de Música contribuiu também para o surgimento de um ambiente intelectual que se cruzou com a boémia das tascas e carvoarias onde prostituição e a malandragem era o modo de vida de muitos que por ali paravam na noite.
Já durante o dia o ambiente era de uma qualquer aldeia de Portugal com os miúdos a ir para a escola primária e os vendedores com os seus pregões a anunciarem-se, as dona de casa às compras ou a estender a roupa nas suas janelas aproveitando para um dedinho de conversa com as vizinhas.
As rixas da noite contrastavam com a pacatez da vida diurna tornando o bairro um dos mais peculiares de Lisboa.
O próximo artigo será dedicado aos jornais.
BAIRRO ALTO (2)
Tremeu a Terra convulsivamente
naquele dia de Todos os Santos
e destruiu Lisboa literalmente
até aos mais recônditos recantos
mas o bairro alto foi poupado
apesar de alguma destruição
o efeito em parte mitigado
provou não haver regra sem excepção
porém como não constituiu prioridade
passou ao lado da reconstrução
tornou-se uma ilha na cidade
porque ficou arredado da evolução
por isso os fidalgos partiram
mudaram-se para outros locais
nos seus palácios surgiram
atividades como as redacções dos jornais
no dos Caetanos em particular
ergueram o conservatório nacional
para onde vieram estudar
os alunos artistas com potencial
tudo isto fez nascer
um ambiente boémio e cultural
onde se juntavam a conviver
pessoas com diferentes estatuto social
nas tabernas e carvoarias
bebiam marinheiros e jornalistas
que se juntavam nas hospedarias
a estudantes escritores e artistas
mas durante o dia era a pacatez
numa atmosfera de serenidade
que produziu o contraste que talvez
justifique a sua absoluta singularidade.
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«Quiosque da Sorte», poesia de Luís Fernando Lopes
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