No meu blog «LisboaLisboa», hoje desactivado, contei muitas histórias da minha aldeia. De vez em quando, revisito-as para meu deleite pessoal. Esta de hoje é-me especialmente cara, pois aqui falo de uma pessoa que muito admirava…

Aqui lhe trago, pois, mais uma anedota real, com um episódio engraçado que sucedeu no início dos anos 30. As pessoas do meu tempo todas conhecem o herói desta história. E todos gostávamos muito dele porque tinha piada e era um verdadeiro artista da terra. Mas não era nosso conterrâneo. Tinha casado lá com uma tia minha por afinidade. Mas ele era natural de Alfaiates, como vai ler adiante…
Mais uma estória de aldeia – a vala e o ti’ Nà’ciso
Hoje quero falar-lhe do ti’ Nà’ciso («tio» = sr. Narciso). Por acaso, aqui, para mim, a palavra «tio» aplica-se mesmo: era tio mesmo.
Este era uma das figuras mais típicas e com mais piada da terra. Viera para lá quando jovem, ali casara e lá fazia vida como barbeiro. Mas quem não sabe o que é e o que faz um barbeiro numa aldeia dos anos 40/60, vai ficar muito surpreendido com este ti’ Nà’ciso. É que ele era, simultaneamente, uma espécie de médico popular e enfermeiro.
Muitas pessoas acreditavam mais nele do que nos médicos. Chegavam a vir do médico ali mostrar-lhe as receitas e perguntar se deviam ir à farmácia aviar os medicamentos ou não…
Um dia fui com ele a uma aldeia vizinha visitar uma doente, velhota, muito doente. Lá deu a sua «consulta». E regressámos.
À chegada, perguntaram-lhe se a senhora estava mal. E ele:
– Está. Está muito mal.
– Então e o que lhe receitou?
– Oh! Nada! Disse-lhe para beber água do rego.
O «rego» era nada mais, nada menos do que a valada de água comunitária que corria no meio da rua da aldeia para as pessoas regarem os seus prédios agrícolas.
Mas não é essa a história que hoje queria contar. É aquela da vala à porta de casa.
Um dia, melhor, uma noite, o ti’ Nà’ciso era muito «noiteiro» e muito boémio, como convém. Lá pelos anos 50, tinham aberto uma vala ali mesmo à porta dele, vala essa feita já depois de ele sair de casa nessa tarde e que impedia a entrada em casa de forma normal porque exigia um pequeno salto.
Ora a mulher dele, calculando que o homem já viria um tanto carregado dos maços, isto é, com o grão na asa (vá lá, com os copos, pronto…), o que fez?
Teve uma ideia brilhante: pôr um candeeiro à janela (ainda a luz eléctrica era fraquinha e o largo pouco iluminado…). O candeeiro à janela serviria assim, supostamente, para lhe chamar a atenção e alertá-lo para a vala. Mas deu exactamente o resultado inverso.
O ti’ Nà’ciso, lá pelas duas ou três da manhã, quando tartamudeou à entrada do largo onde residia, dá com o candeeiro à janela, fixa-se nele, como muito bem sabe quem alguma vez se entornou (a luz é uma obsessão) e, enquanto caminhava na exacta direcção da vala, mas sempre de olhos arregalados para a janela e para o candeeiro, vai gritando da rua para a mulher, com a típica linguagem arrastada da vinhaça e da cerveja (esta prende mais a língua, não é verdade?):
– Ó ‘Zabel, ó ’Zabel, o que é isso?
E zás. Cai dentro da vala, como estava bom de ver…
Ficou a estória (mais uma) para contar toda a vida. Até hoje.
Obrigado por me ler! Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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