Também eu concordo com o que dizia Teixeira de Pascoais: «A aldeia do passado já não existe; mas vive em mim. Tenho-a intacta, cá dentro, onde se fixam todas as formas transitórias, reproduzidas numa substância espiritual e sempiterna. As lembranças não morrem; adormecem e acordam ao menor ruído, como hão-de acordar os mortos no juízo final.»
Grandes poetas, filósofos, escritores, músicos escreveram sobre este tema da saudade. Por estranho que pareça, a saudade não é só para quem reside no estrangeiro, não é só para os tristes, para os infelizes, como dizia o Garrett: Saudade! Gosto amargo de infelizes! Pode também ser uma energia volcânica para uma criação renovada e salutar, já que da palavra saudade se avizinham outras palavras, tais como, salvação, saúde, salutar, saudar, saudável, que não andam longe da raiz etimológica da palavra saudade.
Tudo isto apenas para dizer, a propósito da saudade no sentido de Teixeira de Pascoais, que este sentimento me inspira para, em certos momentos, me sentir também poeta. E, já agora, aqui vão dois sonetos que nos remetem a este mundo da saudade.
CARTA DO MEU PAI
Recebi carta. Meu pai me lembrou:
Sino está a tocar às trindades!
Coisas bem do passado e que saudades!
Choveu, nevou, o rio transbordou!
Mingo morreu, o rebanho passou.
Aldeia calorosa, não cidades,
Por haver mais afinidades!
Assim a natureza a dotou!
As cartas do meu pai são alegria!
Leio, releio (mas que prazer!), todas!
Como, seu amor, estivesse a ver!
Admirarei sempre sua mestria
Escrita dele não segue as modas!
Por mais que viva, não vou esquecer!
PARA A MINHA AVÓ
Na memória, os doces da minha avó!
O forno do Rossio que os cozia!
O cheiro que água na boca crescia!
Grande mulher, maior gratidão, só!
Locais da minha vida de criança!
Bilha na mão, com ela ao chafariz!
Avó, rosto de verdadeira atriz!
Neto com avó, assim não se cansa!
Mantilha preta para ir à missa!
Verão, inverno, mesma cor vestida!
Lenço preto cabelos escondia!
Lembrar-te assim é a maior justiça!
Tua bela imagem guardo toda a vida!
Lembrarei o teu nome sempre: Maria!
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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