Em 1395 os agentes do rei Rui Peres e Álvaro Peres, seu escrivão, acompanhados de Estêvão Lourenço, Afonso Gonçalves curador e Gomes Lourenço da vila de Sortelha, Estêvão Domingues e João Mateus herdeiros da Aldeia de Santo António, que se encontrava erma, percorreram os limites do Reguengo assinalando-os com marcos. Vamos conhecer a viagem e os ditos limites…
As décadas de 1370 e 1380 ficaram marcadas pelas guerras fernandinas e joaninas com Castela, destacando-se a batalha de Aljubarrota em 1385. O período que se seguiu foi pontuado por tréguas temporárias. Na década de 1390, justificava-se uma avaliação do que restava. Os agentes do rei visitaram grande parte das localidades da Beira Interior, coligindo informações detalhadas sobre os bens da coroa. O registo ficou classificado como Tombo da Comarca da Beira.
Vejamos o essencial da informação sobre o Reguengo de Santo António:
Em 1395 os agentes do rei Rui Peres e Álvaro Peres, seu escrivão, acompanhados de Estêvão Lourenço, Afonso Gonçalves curador e Gomes Lourenço da vila de Sortelha, Estêvão Domingues e João Mateus herdeiros da Aldeia de Santo António, que se encontra erma, percorreram os limites do Reguengo assinalando-os com marcos.
Documento (excertos)
Título da Aldeia de Santo António termo da vila de Sortelha (1)
O dito Rui Peres e eu Álvaro Peres, escrivão do acima dito, chegámos à dita Aldeia de Santo António, termo de Sortelha, para inquirir e demarcar como lei por El-rei era mandado. Também fez a ele vir presentes Estêvão Lourenço da dita vila e Afonso Gonçalves, Pedro Afonso e Lourenço Domingues vereadores, Vasco Martins procurador e Gomes Lourenço dessa mesma, e Estêvão Domingues e João Mateus herdeiros da dita Aldeia que ora jaz erma; e também o dito Rui Peres deu juramento dos Santos Evangelhos a Estêvão Domingues e João Mateus que eram homens Antigos e naturais do dito
lugar bem e direitamente lhe dissessem e mostrassem os termos da dita Aldeia e por onde partem. E os sobreditos assim o prometeram de o fazerem; e logo pelo dito Rui Peres foi mostrado um livro do Tombo Antigo em que eram contehudos doze casais que El-rei tinha na dita Aldeia; também junto com a dita Aldeia jasem quatro casais que chamam Sargaçais, que agora há nome Aldeia Nova; e os termos da dita Aldeia e Casais são estes segundo era contehudo no dito livro; e também foi acordado pelos homens bons acima ditos que partia pelos lugares que adiante seguem:
Primeiramente parte pela cabeça de água de Valença onde foi posto um marco; além desta divisão jaz uma courela do dito Reguengo d’el Rei que disseram os ditos homens bons que levaria em semeadura quarenta e oito Alqueires de pão e partia com terra da igreja de Santiago do Sabugal e por cima com terra de Pero Bartolomeu e parte por fundo com terra do concelho de Sortelha; e do sobredito Marco parte pela cabeça de Mem Galego em o qual foi posto outro marco; e do dito marco como se vai ao coto de Maria Nicolau onde foi posto um marco; e o dito Marco como parte pela estrada pública que vem do Sabugal para Sortelha; e como se vai à ponte da Ribeira de Dona Margarida onde foi posto um marco; e como parte da dita ponte pela água de Valença em testar nas Alagoas dos Seichais; e da dita lagoa como se vai juntar na dita cabeça de Valença onde foi posto o primeiro marco. (…)
O dito Rui Peres fez pergunta aos ditos Estêvão Domingues e João Mateus, acima ditos, se sabiam por onde partiam as herdades de cada um casal dos ditos dez e seis casais para se demarcarem no dito livro segundo pelo dito dito Senhor Rei era mandado. Eles disseram que as não saberiam dizer todas em certo porque havia muito tempo que as ditas Aldeias eram ermas. (…)
Que os ditos casais, eram de medição de sete um de pão e vinho e legumes. Pela festa de S. Miguel pagam cada casal – senhas galinhas com cinco ovos e senhos Almudes de trigo pela teiga de Sortelha todo por Mordomo d’el Rei.»
(Texto adaptado, os nomes próprios vêm segundo a ortografia atual.)
Comentário
Os limites do Reguengo, segundo os marcos colocados em 1395:
Primeiro marco – Cabeça de água de Valença que deve corresponder à nascente da Ribeira de São Francisco, na Serra do Mosteiro, que se dirige para a Ribeira da Nave;
Segundo marco – Cabeça de Mem Galego, existe o Vale do Galego próximo da estrada de Sabugal para Sortelha, à esquerda antes da ponte da Ribeira dos Quintinhos;
Terceiro marco – Coto de Maria Nicolau, existe o lugar chamado Couto próximo da Urgueira, do lado esquerdo da estrada acima referida. Sabemos que existiu um marco no espaço que é hoje o campo de futebol! Seria esse?;
Quarto marco – Ponte da Ribeira de Dona Margarida. Agora é que as coisas se complicam! A dita Ribeira só pode corresponder à dos Aluados, que nasce próximo dos Ameais e desagua no rio Côa, próximo do Sabugal. Ora, o marco da foto localiza-se próximo da Urgueira e assim não consta da lista deste documento! Será posterior? Quanto à dita ponte? Deveria localizar-se próximo da Paiã, correspondendo ao caminho antigo utilizado pelas populações a pé e de burro quando se dirigiam para o Sabugal; O nome da Ribeira: Desconhecemos quando mudou de nome! Mas entre uma «Dona Margarida» e um «Aluado», preferimos o primeiro! Da dita ponte voltamos ao início passando pelos Seichais, próximo das Alagoas.
Mas não ficou tudo esclarecido! «Estêvão Domingues e João Mateus que eram homens Antigos e naturais do dito lugar…» desconheciam os limites dos Casais porque as Aldeias estavam ermas! Dez e seis, deverá querer significar dezasseis casais! Havendo apenas quatro na Aldeia, é necessário encontrarmos os restantes fora do território delimitado! Assim, as quintas da Ribeira da Nave e Quintinhos podem ser a continuidade dos antigos Casais!
Devemos ter em conta que o documento tem mais de seiscentos anos…
O problema da desertificação do território mantém-se!
Nota
(1) Freire, Anselmo Braamcamp, Archivo Historico Portuguez, Volume X, Câmara Municipal de Santarém, 2001, p. 296.
:: ::
«Ervages do Povo», por António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
:: ::
Leave a Reply