Estávamos em Março de 2020. Os espaços aéreos começavam a fechar devido à pandemia. Tentei a minha sorte no «limbo». Tive apoio, o risco era grande, mas foi a minha maior aventura de sempre…

Foi uma oportunidade de me pôr à prova, num ambiente adverso, totalmente no desconhecido, com o mundo virado do avesso.
O objectivo era apanhar o avião para o Lubango, desde o a capital do antigo Sudoeste Africano.
Uma volta ao mundo por etapas. Dubai, Joanesburgo, Windhoek e Lubango. Sinceramente a viagem não me incomodou, estava fixado no voo para Lubango. Chegado aí era como estar em casa. Surgem sempre chatices e dificuldades, mas o final é sempre feliz.
Tudo foi correndo, voando e fluindo até que aterrei na Namíbia.
Chegado a Windhoek, pelas 18 horas, fui informado que Angola tinha fechado o espaço aéreo, ainda de manhã, e pelo meio dia o Presidente namibiano, promulgou um despacho que interditava a entrada no país cidadãos oriundos de países com Covid-19. Que me lembre Portugal teria nessa altura menos de cinco casos. O certo é que todos entraram ficando um casal francês e este português que apenas pretendia ir trabalhar.
As autoridades foram peremptórias, lembrando Pretória, que tínhamos de regressar no voo para Joanesburgo. Lembro Pretória porque todos os sul-africanos entraram, como se estivessem em casa.
O casal francês era jovem, estava apavorado, e comprou o ingresso de volta para Joanesburgo.
O problema é que não entendia as contas e não queria pagar. As autoridades da Namíbia não devem estar habituados ao «não» e ficaram embaraçados. Procurando ser cortês e educado cedi o meu cartão bancário angolano para tentar desbloquear o impasse. O avião continuava à minha espera.
Pois, países tão próximos e o cartão bancário não dava. Se fosse moçambicano, no outro lado do continente, sem problema. Agora angolano…
O avião lá partiu ficando o lusitano no aeroporto de Windhoek e uma viatura com motorista para me levar a um hotel estacionada no parque do aeroporto.
Mas não. Lei é lei. O meu país era ameaçador com os casos de Covid-19 e podia provocar uma pandemia sem precedentes.
Nesse tempo nem máscaras ou álcool gel haviam, o que, alguém que transportasse o vírus contaminava todo aquele aeroporto. Mesmo até os inocentes sul-africanos, cujas estatísticas tinham um atraso em relação à velocidade do mundo.
Com o impasse, fui recebido pelo chefe da emigração que me explicou todas e mais algumas as razões e, infelizmente, Portugal era um perigo para a saúde pública, assim como França (curiosamente duas antigas potências coloniais), e teria mesmo de arranjar voo de regresso.
Tenho ideia que nestes casos a regra do repatriamento era óbvia. Deveria de regressar ao país de origem, mas os funcionários do aeroporto tudo faziam para ir na Air Namíbia para Joanesburgo. Com tantas companhias, logo a da casa.
Obviamente que esta situação requereu movimentação diplomática, e, no dia seguinte, como por milagre, um grupo de britânicos concluía as suas férias, longe da pandemia e destas realidades, e ainda havia, por sorte, um lugar para este pobre lusitano que, diga-se em boa verdade, foi muito bem acolhido pelos britânicos. Só o meu aspecto lembrava um soldado do «Afrika Korps» sobrevivente da batalha de Tobruk.
Pois, mas a ideia era seguir pela Air Namíbia até Joanesburgo e aí até podia ir pela Aeroflot.
Foi outro momento crítico. Só que aí reconheço que a autoridade da chefia da Namíbia funciona. As regras eram evidentes. O senhor é português e tem bilhetes para Lisboa via Londres.
Todo o «arranjinho» da Air Namíbia acabou por ir pelo cano do esgoto.
O tratamento mudou completamente. Implicaram com tudo. Até a bagagem, com o peso de material de escuteiro para ser doado à Associação de Escuteiros de Angola excedia o limite do bilhete, enfim!
Nem dá para acreditar! Limitava-me apenas a responder: «Ponham na conta porque o cartão bancário angolano aqui não funciona.»
O facto é que mantendo sempre boa disposição alguns funcionários da emigração até acabaram por simpatizar comigo, e, quem sabe, até gostaram que o «arranjinho» fosse abortado.
Já estava quase a dormir. Quando um funcionário da emigração me acordou.
– Pode embarcar. Boa viagem!
– Então e a mala?
Seguiu como qualquer outra. Porém, em cada escala que fazia era chamado ao balcão da British Airways: «A mala amarela pertence ao senhor?»
A sorte era, na verdade, a cor da mala. Um amarelo berrante que se via a quilómetros. Mas apenas perguntavam se a mala era minha. Nada de preocupante!
E como toda a história esta também teve um fim.
Com o aeroporto quase vazio, porque na chegada já havia confinamento, lá estava a mala amarela, intacta, sozinha e abandonada, junto dos tapetes de distribuição de bagagens, já parados porque os voos estavam a ser cancelados.
Kuito, 30 de Setembro de 2023
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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