Escaldava o sol de Julho. O ti Mouco espreitava o corrupio na porta do quartel. De certezinha que os guardas não iriam aventurar-se àquela «torrinha» do sol a pique, mas «pelo sim pelo não», ele ali estava de atalaia fingindo regar o prado com o fio de água da ribeira.
No comércio da ti Emília já o Toino arcava com um odre vazio para mercar azeite e uma saquita de serapilheira com meia dúzia de cartuchos de café. Esperava pela Béi que, com a ajuda da ti Emília Pinto, apertava nas ancas uma peça de pano cru e a tapava com uma saia franzida, cingida à cintura com um elástico.
O Ti Mouco fez chiar a picota com um esticão valente a dar sinal do caminho desimpedido.
A Béi e o Toino saíram tão apressados que pareciam nem ter tempo de pisar o chão com cada um dos pés. «Pintcharam» as poldras da ribeira, subiram o caminho da Barreira e lá vão eles junto aos muros do velho cemitério. Dali iriam por carreiros estreitos evitando a estrada aberta até à Laje da Lancha. Seria um pulo até ao «povo de Navas Frias».
Estavam perto do pontão, mas precisavam de abrandar o passo pois o pano cru começara a deslizar pelas pernas abaixo. Era melhor apertá-lo de novo. E, assim, o Toino trepou para o muro de um lameiro para a Béi ficar à vontade e ele alongar o olhar para o caminho.
– Ai mem, Béi. O Ti Mouco vem numa correria «pertelinho» da casa do Chico do Carro.
– Pois baia, Home! Deve vir avisar-nos de alguma coisa. Poisa o teu carrego e vai ter ao seu encontro. Eu não me «bulo» daqui.
E o Toino, no seu correr de moço franzino, mas rijo, depressa sossegou o Ti Mouco…
– «Atão» há algum contratempo?!
– Valha-nos Deus, cachopo! Não é que o guarda mau entrou de serviço e obrigou os guardas a sair! Diz que quando a torrinha aperta é que os contrabandistas aproveitam! Ele lá tem razão! É melhor irem pelo Prado Castelhano. Se os virem escondam-se no moinho do Ti António.
– Sim, senhor. Deite-nos a sua bênção!
– Deus vos abençoe.
Sem se aperceberem os guardas aproximavam-se:
– Pois, bons dias nos dê Deus!
– Bom dia nos dê Deus, senhores guardas! De serviço com esta calmaria?!
– O nosso Sargento assim ordena! Mas vamos ali para o Prado Castelhano talvez a água fresca da ribeira nos refresque – disse o Guarda Joaquim, piscando o olho ao catraio com algum carinho… – Até mais ver, santa tarde nos dê Deus.
O Toino foi ter com a Béi que estava «impachosa» sem saber o que se passava. E lá atravessaram a fronteira. Agora era ter os ouvidos bem abertos para qualquer ruído que denunciasse o aproximar dos carabineiros antes deles arribarem ao comércio do Ti Pepe, onde trocariam a peça de pano por pão de trigo e o café por um odre de azeite.
O pior era chegar a casa com o carrego. O pão ainda vá que não vá!, mas o azeite era tão mau de passar!
:: ::
«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
:: ::
Leave a Reply