O Chico não gozava de grande fama. Conheciam-no pelas rixas que provocava…

Era baixo, de olhar profundo, torto para a direita e coxo. A boina espanhola quase lhe caia da metade esquerda da cabeça. O casaco cinzento reluzia de sujo no sítio onde lhe tocava os gorgomilos. Usava botas enormes, sujas e sonoras.
Entrou na taberna, encostou-se ao balcão e berrou ao taberneiro:
– Ó Zé tens alguma coisa que se coma? Trago uma fome que me rói o bucho.
O Zé Chorro tinha altura de gigante e cara de poucos amigos. Do lado de dentro da sua venda, não gostava de discórdias. Mediu o Chico dos pés à cabeça num olhar demorado. Dir-se-ia que matutava na maneira de se ver livre do putativo agitador. Tossiu duas vezes como para aclarar a voz e disse para a mulher que, na cozinha, preparava um caldo de vagens secas:
– Ó Maria, o que é que tu arranjas aí para comer? Está aqui um home a morrer-se de fome!
Respondeu a Ti Maria em voz rouca e vagarosa:
– Só se for uma fritada de ovos porque as bagens ainda estão duras e o caldo nem sequer ferve.
Dez minutos passados já o taberneiro colocava na mesa um prato de ovos fritos, um quarto de pão centeio e uma jarra de barro velho, descorado pelo tempo, a transbordar vinho tinto.
O freguês puxou da navalha cabo de madeira, limpou-a bem limpa e colocou-a sobre a mesa rosnando a meia voz:
– Isto é comida para garotos. Um home feito precisa de outro trato. Vamos lá ver se, tão pouca ração, merece ser paga.
O Chorro logo adivinhou a intenção caloteira do finório e disse para consigo: «Espera lá que eu já te faço a cama.»
Foi-se à cozinha, piscou o olho à mulher para que ela percebesse, bateu com força a tampa de um tacho, praguejou alto duas vezes, deitou as unhas a um frasco de mercurocromo, remédio que tinha ali para eventual curativo e besuntou, com ele, as mãos até pingar. Por fim empunhou uma faca de cozinha e foi-se ao farsante com voz ameaçadora:
– Ó migo, deixa cá ver que eu te corto o pão.
O gringo, em vez de mercúrio, viu sangue nos gadanhos do Chorro e, a tremer de medo, balbuciou meigamente:
– Quanto é que eu te devo? Faz-me lá a conta que eu pago já e vou tasgando os ovos pelo caminho. Por acaso, hoje, até estou cheio de pressa.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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