Esta crónica foi escrita e por mim publicada em 2006 num blog meu. Sempre me divertiu muito a historieta de terror ali narrada. Divirta-se também…
Os lobos eram um massacre de pessoas e animais na aldeia há 60 e mais anos. Havia muitas histórias contadas à noite ao lume. Mas, por todas elas, acho que esta é das mais aterrorizadoras mas, ao mesmo tempo é contada com muito encanto e acaba por nos divertir. Porquê? Porque esta história de lobos acaba bem. Ora leia:
A noite dos lobos
Lá por alturas do final da II Guerra Mundial, a aldeia era medonha. Sobretudo naqueles Invernos rigorosos. Os nossos pais contavam assim: não havia luz (electricidade) e toda a região estava de noite mergulhada em profundo silêncio e em total escuridão.
Os humanos estavam todos em suas casas, de volta da lareira. Os mais velhos contavam histórias aos pequenitos. Muitas vezes, histórias medonhas. «A Torre da Babilónia», a «Noite da Bruxa Má» e similares eram o prato do dia: da noite. Os miúdos ficavam assustaaaadiiiiinhooooos…
Foi numa dessas noites de breu que se passou aquela história em que o ti’Álvaro Abreu se viu cercado por dois lobos.
«Uma noite», contava a minha sogra à filhita de seis anitos, «ainda tu não tinhas nascido, e nós ainda vivíamos na outra casinha lá em baixo no Batorel… o ti’ Álvaro Abreu ia morrendo de medo.»
Ela contava que estavam os dois, futuros pai e mãe, ao lume (igual a «à lareira»), estava muito escuro, choviscava uma chuvinha miudinha e o ventinho da serra cortava as orelhas e começam a ouvir uns gritos lá ao longe, uns gritos de muita aflição e cada vez mais fortes…
– Uuuuuuh!
O futuro pai não era homem de se ficar e pega na lanterna de petróleo, desata o macho, monta-se, pega na pistola e… «ala que se faz tarde», vai ao encontro dos gritos que não paravam:
– Acuuuuuuudam! Acuuuudam! Acuuuudam!
Gritos verdadeiramente lancinantes. Vinham dos lados da Ponte, lá para a Várzea.
Foi andando e o que encontrou? Uma cena de filme negro, filme de terror: o ti’Álvaro Abreu, montado no cavalo, aos pontapés e aos gritos. Vinha escoltado por dois lobos.
O homem, quando viu a lanterna lá ao longe, até ganhou uma alma nova.
– Quem vem lá?
– Sou eu, homem. O que é que há?
– Dois lobos. São lobos.
E dava pontapés. Os lobos aí pararam. Ficaram para trás.
O homem que veio em socorro saca da pistola: «traaz! traaz!» dois tiros para o ar.
Foi o que valeu. Os animais sentiram-se acossados. Fugiram a toda a brida. E o ti’ Álvaro Abreu:
– Vieram atrás de mim desde o cruzamento da Moita. Ainda me vi mal desta vez. Vá lá que apareceu vossemecê. Os malandros até eram capazes de me deitar abaixo do cavalo e matavam-me.
O ti’ Álvaro Abreu nunca mais esqueceu o susto daquela noite nem quem o socorreu.
Obrigado por me ler! Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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A mim não tem de que me agradecer. Quase me vi sentado à lareira numa noite da minha meninice. Uma delícia!
Abraço.
Fernando Capelo