Visitei duas vezes o Panteão Nacional e, pelo conhecimento pessoal, talvez esteja enganado mas a maioria dos portugueses nunca ali entrou, porque possivelmente não é um lugar muito convidativo, apesar de há tempos ali se ter realizado uma boda de casamento e em 2017 um jantar de encerramento da Web Summit.
O chinfrim foi tão grande pela profanação daquele «espaço sagrado» que as autoridades nunca mais autorizaram tão estranhos actos.
Segundo a versão de muitos historiadores, a palavra «Panteão» tem origem grega, traduzindo-se livremente por «templo de todos os deuses», portanto, um local onde se honram e veneram os «deuses», cada um com a sua especialidade.
O primeiro Panteão nasceu em Roma uns anos antes da era cristã, em homenagem ao cônsul Marco Agripa, o autor da sua construção, tendo sido alvo de muitos danos causados por um incêndio.
Quarenta anos depois e já na era cristã, o Imperador Adriano determinou a sua reconstrução e graças a um Rei Bizantino – numa doação ao Papa Bonifácio IV, no século VII, que salvou o Panteão dos assaltos, pilhagens e da destruição – foi consagrado à proteção de Santa Maria e de Todos os Santos.
Em França, o Rei Luís XV, em acção de graças pela recuperação de uma grave doença, mandou contruir um Panteão em Paris, em 1764, terminado em 1790. É um edifício secular com o objectivo de homenagear os maiores vultos franceses.
Na Inglaterra, na cidade de Londres, a Abadia de Westminster recebe também as maiores figuras inglesas, como por exemplo William Shakespeare, Charles Darwin…
Numa linha de cariz religioso e secular surgem em diversos países os Panteões Nacionais, com a finalidade de honrar os melhores através do reconhecimento dos seus cidadãos.
Em Portugal, em 1836, o ministro Passos Manuel, por decreto régio, permitiu a edificação de um Panteão Nacional, a fim de homenagear os Heróis da Revolução Liberal de 1820 e o início do constitucionalismo.
Nasceu assim a ideia de encontrar um espaço para perpetuar as memórias dos portugueses que se distinguiram por «obras valorosas».
Em Portugal, o Panteão Nacional está relacionado com o Templo de Santa Engrácia em Lisboa, que muitos recordam pela demorada construção, de que resultou o velho provérbio «das obras de Santa Engrácia». Também beneficia desse estatuto de «panteão» a Igreja de Santa Cruz em Coimbra, onde estão os túmulos dos dois primeiros reis de Portugal, D. Afonso Henriques e D. Sancho I.
Quando visitei o Panteão Nacional, encontrei quatro Presidentes da República, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Sidónio Pais e Óscar Fragoso Carmona, os escritores Almeida Garrett, João de Deus, Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro, Sophia de Mello Breyner, o General Humberto Delgado, o futebolista Eusébio da Silva Ferreira e a grande fadista Amália Rodrigues, que gente do povo visita com muita regularidade e lhe deposita flores abundantemente. Também figuram os nomes de Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque… O autor de «Os Lusíadas» e o descobridor do Caminho Marítimo para a Índia têm os seus túmulos no Mosteiro dos Jerónimos, juntamente com Fernando Pessoa e Alexandre Herculano.
Em Janeiro de 2021, a Assembleia da República aprovou por unanimidade «conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa».
Esta decisão tem suscitado muita polémica, e um grupo de cidadãos (incluindo familiares do insigne escritor) de Santa Cruz do Douro, em Baião, localidade onde se encontram os seus restos mortais, além de manifestações de desagrado, interpôs no Supremo Tribunal Administrativo uma providência cautelar, afim de impedir a sua trasladação daquela Freguesia para o Panteão Nacional.
Nós somos um País tão macrocéfalo, que Lisboa come a carne, agora também quer os ossos. Se assim acontecer a legalidade cumpriu-se, a justiça adiou-se.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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