Ainda mal abria o lusco-fusco já lá iam as parceiras, de sacho ao ombro preso por uma das mãos, a caminho do «tchão»…

A tia deixou-me o vestido lavado nas costas da cadeira, a água na bacia do lavatório para me lavar e a malga do café com leite e sopas migadas sobre a mesa. Quando já estivesse pronta podia ir fazer carava à mãe da senhora Isabel Augusta para a Zefinha ir fazendo a lide da casa. À hora da merenda, a tia viria buscar o açafate e podíamos ir juntas para eu ajudar, também, a apanhar as batatas.
Ainda a tia fechava o portão do curral já eu assomava de combinação, desgrenhada e pé descalço ao varandim do balcão.
– Tia, deite-me a sua bênção. Já são horas de eu ir?!
– «Ai rábia te pele», podias ficar mais um poquenino na cama, cachopa! Porta-te bem, não sejas impachosa! Deus te abençoe. Só vais depois do sol dar na Lage da Lancha, está bem? E cala-te um poquenino, não enfades a Menina Zefinha!
– Não enfado, não senhora! Ela gosta muito de mim e eu faço tudo o que ela me manda.
– Ai meu «taneno», fica com Deus.
Entrei, fui lavar a cara, ou melhor, molhar os olhos e a cara, esfreguei duas vezes as mãos com o sabonete de madeiras do Oriente (que cheirava tão bem!) e passei-as por água, antes de as secar na toalha de linho pequenina que a tia me tinha feito com as abas de um lençol já puído no meio. Tinha o meu nome bordado a ponto de pé de flor e uma linda rendinha na ponta. Depois, voltei a dobrá-la e a colocá-la no lugar. Fui enfiar o vestido e coloquei as alpargatas, embora sem vontade, mas a tia não gostava que eu fosse descalça para casa de outras pessoas! Só depois fui para a cozinha. Comi as sopas a custo e tive a tentação do ir despejar para a pia das galinhas, mas sabia que a tia ia ficar zangada e isso é que eu não queria de forma alguma!…
Nunca mais chegava o sol à Lage da Lancha! Naturalmente tinha-se esquecido de nascer! Até porque já se ouvia o chiar do cambão das noras para regar as hortas! As vacas do senhor Doutor Esteves já lá iam a caminho do lameiro…
«Naturalmente o sol hoje não quer vir! A tia diz que no Inverno às vezes não vem!… Afinal já lá vem!», – gritei de mim para mim.
E lá fui eu, de boneca dependurada da mão, aos saltinhos pelo largo do Enxido!
– Menina Zefinha, já está levantada?
– Já sim, minha cachopita! Entra. O que queres comer?
– Eu já comi! Muito obrigada. A avó ainda está no quarto?
– Ainda. Olha eu vou encher o cântaro antes dela acordar, está bem?
– E eu vou varrer o corredor, quer? A tia diz que eu já varro muito bem!
Lembrei-me do aviso da tia e calei-me um poquenino, que não seria por muito tempo não fosse a Zefinha sair apressada buscar água ao chafariz. Pois, por mais recomendação que me dessem eu dificilmente me lembrava de manter a boca fechada!…. Ainda hoje, se não tomo tento, lá vou eu soltando a grafonola, mas prezo-me de não falar da vida alheia…
Bem, vou ficar por aqui, senão …
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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