Achei muito interessante a vida deste Senhor – Michael Shea –, que percorreu os corredores do palácio de Buckingham como Secretário de Imprensa da Rainha Isabel II, entre os anos de 1978 e 1987. Para ter garantido este trabalho cerca de nove anos é porque seguramente tinha competência e experiência de saber lidar entre a comunicação social e o recato da Família Real Britânica.
De naturalidade escocesa, Michael Shea, adorava escrever e ainda como diplomata na antiga República Federal Alemã, escreveu a sua primeira obra «Sonntag», no ano de 1971. Deixou um legado de mais vinte livros, de intriga política e de ficção, escritos maioritariamente após 1987, com o pseudónimo de Michael Sinclair.
Tal como eu, Michael Shea encontrou a escrita para se encontrar, e fazia-o até 1978, por passatempo. E curiosamente, após a saída de Buckingham, nunca abordou directamente os motivos de tão precipitada saída, mesmo usando a ficção.
Os factos históricos passaram-se durante a Cimeira da Commonwealht, em Outubro de 1985, na capital das Bahamas, onde todos os países membros pretendiam condenar o Apartheid e a ocupação da então Sudoeste Africano, actual Namíbia, pelo regime sul-africano. Porém, o próprio Reino Unido, liderado por Margareth Thatcher, estava contra o texto do chamado Acordo de Nassau, não pretendendo uma condenação à África do Sul, por motivos de interesses económicos que ainda existiam entre estes dois países.
Consta que a monarca, como chefe de estado dos membros da Commonwealth, naquele tempo, e vendo uma unanimidade política apenas quebrada pelo seu próprio país, terá pedido a Shea que arranjasse um texto que convencesse a «dama de ferro». Reza história que versões não faltaram, mas Shea provou ser um excelente escritor diplomata levando ao recuo da primeira-ministra, que obviamente ficou com uma interpretação do Acordo de Nassau, diferente das demais nações.
O facto é que já eleito, Nelson Mandela, reconheceu publicamente a importância deste acordo que terá dado um contributo à queda do regime do apartheid.
Tirando o facto comprovado da saída de Shea, em 1987, os segredos do Palácio de Buckingham nunca esclareceram o sucedido, mas que não será difícil entender que as relações pessoais entre as Damas do Reino Unido devem ter azedado, ao ponto da impressa da época começar a especular, levando o parlamento, controlado pelo governo, a pedir a demissão do Secretário de Imprensa do palácio.
Nestas situações, a Constituição do Reino Unido limita a monarca de qualquer intervenção política, mesmo em casos de bom senso. A solução para terminar com os mexericos era óbvia: a demissão do Secretário de Imprensa, protegendo assim a imagem da monarca.
Obviamente que Shea acabou por não receber o título de Sir, como habitualmente acontece no staff próximo de um monarca britânico, mas ainda assim recebeu a Cruz da Royal Victorian Order, em 1987, e na sua morte, em 2009, Isabel II ainda proferiu publicamente umas palavras de condolências.
A moral desta história é que um homem como Shea sempre distinguiu a vida de serviço público da de escritor.
E por esse motivo, acho que a devo tornar pública, porque nem sempre acontece.
Kuito, 9 de Setembro de 2023
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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