Quando os vemos nos palcos, nos cinemas ou nas televisões, transmitem-nos momentos de grande alegria, mas quando partem subitamente deixam-nos um grande vazio, tristeza e saudade. Falo dos actores, em particular de Luís Aleluia, «o menino Tonecas», que foi notícia necrológica em toda a imprensa.
Dois anos depois de Aleluia ter nascido em Setúbal, a 23 de Fevereiro de 1960, eu tinha a minha família (pais e oito irmãos) a viver na cidade de Bocage.
Luís Aleluia, aos dez anos, ficou órfão do pai e começaram as dificuldades económicas e principalmente as relações conflituosas com o padrasto, um homem alcoólico e agressivo, que chegou a colocar a família na rua em dias de chuva e frio. Era um homem que gostava de futebol, de ver o seu Vitória de Setúbal, mas, ganhasse ou perdesse, não se esquecia de bater em todos. Era desta forma agressiva, que festejava as vitórias e as derrotas deste Centenário Clube Setubalense.
Face a este ambiente de terror familiar, Luís Aleluia foi acolhido na Casa do Gaiato de Setúbal, onde esteve internado durante seis anos, uma Instituição, com várias Colónias de Férias, Lares e Casas do Gaiato em Paços de Sousa, Miranda do Corvo, Calvário, Beire, Malange, Benguela (Angola) e Moçambique…, de apoio aos jovens com dificuldades sociais e familiares, cuja fundação se deve ao Padre Américo.
Aleluia, em diversas conversas públicas, referiu-se a essa Casa como o local onde tomou o primeiro banho com água quente. Além de lhe ter deixado valores para toda a vida, como o respeito pelos outros, o sentido de viver em comunidade, o cuidar das plantas e dos animais e o muito trabalho que é necessário para singrar na vida.
A Casa do Gaiato de Setúbal há sessenta e oito anos que tem prestado apoio e cuidados a centenas de jovens adolescentes necessitados.
Os Gaiatos de Setúbal realizavam anualmente galas teatrais e recitais em diversas cidades de Portugal e o talento de Aleluia revela-se logo aos dez anos, protagonizando uma inesquecível actuação no Cine-Teatro Luísa Todi, em que recebe as maiores ovações e elogios. Tinha nascido um actor… que nunca mais parou.
Actor reconhecido na televisão e no teatro de variedades
Saído da Casa do Gaiato de Setúbal, andou algum tempo por grupos amadores de teatro, até que o fundador do TAS (Teatro de Animação de Setúbal), Carlos César, o convidou para fazer parte daquela companhia. Tinha dezanove anos e a possibilidade de obter uma carteira profissional.
É importante realçar que Luís Aleluia nunca esqueceu a sua passagem pela Casa do Gaiato, continuando a colaborar de diversas formas com as gentes daquela Instituição.
Passou para o Teatro de Revista, actuando no Teatro de Variedades do Parque Mayer, contracenado com actores de grande gabarito, como Camilo de Oliveira, Ana Zanatti, Ivone Silva, Ruy de Carvalho, Armando Cortez…
No Teatro Maria Vitória, as suas actuações são reconhecidas com muito mérito e é-lhe atribuído o Troféu Revelação. E continua o caminho do sucesso. Apresenta diversos espectáculos às comunidades portuguesas na Europa e nas Américas. Participa em vários trabalhos teatrais televisivos em diversos canais: todos recordam os cinquenta episódios na RTP de «As Lições do Tonecas», com o «professor» José Morais e Castro.
Tive oportunidade de algumas vezes me cruzar com este saudoso actor, a última foi há tempos na cidade do Fundão, onde veio a apresentar um espetáculo na Moagem. Falámos de Setúbal, do clube do coração, o Vitória de Setúbal, do Teatro e da Casa do Gaiato de Setúbal.
No jornal quinzenário «O Gaiato», obra da rua ou do Padre , de 15 de Julho, o Padre Acílio da Cruz Fernandes, uma figura impar em todos os aspectos da Casa da Gaiato de Setúbal, escreveu a propósito da morte de Luís Aleluia:
«HOMEM que nunca se deixou vencer pela sua origem humilde, proporcionando horas agradáveis por todo o País a milhões de espectadores e deixou-nos num exemplo de paternidade admirável, ao adoptar dois rapazes irmãos de quem estava a fazer homens.
Por toda a parte e na televisão o ser Gaiato é um orgulho! E falar da Casa do Gaiato, do seu valor humano e da minha pessoa, era quase instintivo como raiz da sua educação e cultura.
Deixou-nos um vazio que é tanto maior, quão grande foi a sua arte de criticar e fazer rir com as suas saídas.
A saudade e a gratidão e o seu apreço pela Obra do Padre Américo, criou em todos e muito mais em mim, um vazio que só se enche com a ESPERANÇA de que ele foi para o Pai de todos os homens e criador do Universo.»
Guardo na minha memória, um grande Actor, um Homem de extrema bondade, muito próximo de todos.
Que descanse em Paz.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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