Durante a nossa vida escolar talvez os docentes do Secundário sejam os que mais influenciaram o nosso futuro. Obviamente que não é regra. Por isso há sempre excepção!
Porém, no meu caso, recordo mais os professores do antigo liceu do que os do Ensino Superior. Aí, julgo, o futuro para bem ou para mal, está quase traçado e a relação entre aluno e professor deve ser muito mais adulta.
No Liceu de Setúbal ainda encontrei professores e professoras que se continham de riso que muitos de nós fazíamos. Futuros cidadãos deste, ou de ouros países, que a maturidade, por vezes, tardava a chegar. E curiosamente, quem sabe, alguns acabaram por ser ilustres nas suas carreiras profissionais.
Quando dei aulas no Ensino Secundário, como professor voluntário, senti nesta curta experiência a importância do docente na preparação social dos alunos, para além do programa curricular da disciplina, transmitindo alguma responsabilidade nos seus deveres. E no meu caso até nem foi difícil, em parte por um ser estranho naquele ambiente. Porém, também brincava aliviando alguma preocupação que aqueles jovens não estavam habituados. O balanço tinha de ser proveitoso na sua formação e acredito que algo terá ficado.
Por esse motivo, mesmo quem legitimamente discorde, um professor, ou professora, marca uma geração de juventude influenciando o seu futuro.
No caso em apreço, o ilustre professor, fez um pouco mais. A sua pessoa, marcada no final com algumas amarguras, não o deixou de continuar de pensar na Escola onde quase sempre leccionou, dedicando-se à vertente histórica e ao seu futuro.
A aposentação pode ser também sinónimo de continuidade da causa pública, ajudando a passar o magro futuro em prol da comunidade. Porém, saliento que conheço poucos casos assim!
Regra geral legitimamente a hora de libertação do serviço de docência é festejada com júbilo, nunca esquecendo que tal ainda é possível graças ao Estado Social que usufruímos.
Conhecia bem a família deste ilustre Professor. Vivíamos perto, a minha mulher foi colega de um dos filhos e conhecia bem a sua falecida filha. Mas tenho de destacar a sua postura lembrando uma «vida certinha», nunca tendo tido conhecimento de desequilíbrios emocionais ou falta de boa conduta social. E razões não lhe faltavam!
A hora da sua partida chegou. Como acontece com outros tantos ilustres cidadãos ou cidadãs. E, regra geral, ficam no esquecimento colectivo porque fundamentalmente não têm amigos influentes. Também é verdade que homenagens a supostos ilustres, acabam semanas depois em escândalos nos jornais, salientando que no caso em apreço tal nunca aconteceria.
Com o tempo, substantivo tão contraditório, alguém descobre sempre a verdade do mérito de alguém que anos passados fez mais à sociedade do que devia. O testemunho escrito que fica ajuda a encontrar bons exemplos de cidadania.
Porém, com o falecimento deste ilustre professor, surgiu a polémica, fruto do sentimento e emoção de tanta gente que sentiu esta perda. Nestes casos a razão desaparece prevalecendo o coração que fala.
Para um decisor, seja quem for, só pode decidir na base do bom senso, olhando sempre o problema do «precedente». É difícil tomar uma decisão quando, por exemplo, faleceram funcionários de uma instituição que por algum motivo também deixaram marcas e, por algum motivo, ficaram no esquecimento. Noutros tempos o «Setubalense» fazia um pouco esse papel com uma notícia da tragédia e, com mais ou menos palavras, tentava relevar o legado do, ou da, falecida.
Após uma longa reflexão entendi apelar ao decisor que tenha em consideração o falecido Ilustre Professor. Não se trata só do acervo que recolheu e organizou voluntariamente, penso eu, mas da pessoa humana que era e das dificuldades que passou, mostrando um exemplo de verdadeira cidadania.
Talvez por isso ainda veja aquele Senhor como exemplo que, pessoalmente, gostaria de seguir. Também pretendo até não poder mais ser útil à sociedade que me acolhe e respeita.
Ainda tive oportunidade de falar com ele, pedindo-me colaboração para ceder documentos que tinha de antepassados meus que foram professores do nosso liceu. Obviamente que entreguei o que tinha, porque a história é a memória colectiva da sociedade, e mesmo havendo direitos de autor, falo como escritor, estes caducam com o tempo.
Acredito que se abra uma porta que vai ao encontro do desejo de muitos e muitas, ainda vivos e que foram seus alunos, amigos, conhecidos, colegas, familiares e até jovens que tantas vezes esquecem que um docente é também um humano com as suas limitações.
O repto fica lançado! Basta agora que haja bom senso.
Setúbal, 12 de Julho de 2023
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Concordo plenamente com a sua opinião porque no Liceu Nacional de Setúbal o Professor Matos foi dos que mais se destacou, não só enquanto profissional daquela instituição, mas sobretudo depois de aposentado com as suas “observações/análises” históricas não só daquela Escola como da própria cidade, quase considerando-a como sendo a sua cidade natal. Foi um cidadão probo, sendo meu professor logo no início da década de 80, em conversa, nós, os seus alunos, faziamos muitas vezes a comparação com o então Presidente da República, General Ramalho Eanes, também da sua geração e conterrâneo.