A Pepa e a Marizé já estavam casadoiras. Tinham, ambas, dado as vinte voltas ao linho dos últimos anos de cultivo. E até a estopa haviam aproveitado para fazer toalhas de mesa. Claro que o linho fino, dera para dois ou três pares de ceroulas, lençóis, camisas… Enfim, a arca ia ficando recheada com um belo dote bem trabalhado.
Com a venda de algum feijão e dos cornachos do centeio tinham comprado meia dúzia de pratos de esmalte branquinho com um fino fio desenhado a toda a volta, escarlate, nos da Pepa e, azul, nos da Marizé.
O que ainda não tinham era a panelinha de ferro, a caldeira da vianda, a sertã de esmalte…
Amigas inseparáveis, pois eram parceiras e quintas, decidiram não adiar por mais tempo a compra dos utensílios em falta. Dinheiro não havia. E os produtos para troca escasseavam… Ir ao rebusco ou à apanha de míscaros, só dava para arranjar algum fio de algodão e tricotar uns pares de meias para o Inverno.
Pensaram e repensaram… só havia o caminho do contrabando… Deitaram o sonho ao projecto e lá vão elas.
Foram ao comércio da Ti Emília Pinto e pediram emprestadas umas peças de pano cru que enrolaram ao cair da anca, apertadas com uns baraços. Puseram umas saias negras por cima e lá vão elas a caminho de Navas Frias. Agarraram também, uns pacotitos de café Camelo, pois sempre chegaria para uma panelinha maior.
Era ainda lusco-fusco do amanhecer, já elas se aproximavam da fronteira. Mas a tormenta já se tinha feito anunciar com o ribombar de dois ou três trovões, que não tardaram a trazer cordas de água e transformá-las, a elas, em pintos molhados. Os pacotes do café romperam e desfizeram-se, deixando mil grãozinhos a atapetar as veredas do caminho. Também o pano cru começara a enlamear…
As lágrimas corriam-lhes cara abaixo… «Que fazer agora? Como pagar à ti Emília?!»
Voltaram e nem queriam assomar à soleira da porta!
A Ti Emília pediu-lhes que não demorassem muito o pagamento, pois vivia daquilo.
Elas não eram mulheres para se quedarem em dívida e de braços caídos.
Fizeram uma barrela bem feita de sabão e cinza de vides. Lavaram e branquearam as peças enxovalhadas que não tardaram a ficar como novas! Depois cortaram, coseram, bordaram…
Trabalharam noites e dias a fio…
Fizeram lençóis dignos dos mais ricos noivados e foram levar ao comércio para a Ti Emília reaver o seu dinheiro com a venda.
Duma nesga talharam uma toalha para oferecerem para o altar do Menino Jesus. Enquanto a Pepa a crivava com as mais lindas bainhas abertas que sabia fazer, a Marizé ia fazendo uma renda fina e bem trabalhada para lhe pregar.
Nunca mais se atreveram a ir à candonga, mas há sempre uns ovinhos de parte para ir buscar o pão, umas galhetas, as bicas!… É que a Espanha é logo ali…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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