Hoje vou dedicar esta crónica quase apenas ao linguajar do nosso Povo, uma coisa que me dá vida e me mantém ligado ao que sempre vivi. As pessoas ali fazem palavras de termos clássicos e o resultado é tão interessante! Aprecie por si mesmo mais alguns casos que lhe trago…

Termos populares com muita garra
Um «mémé» é borrego em linguagem infantil, ou melhor, linguagem de adultos para crianças…
Uma bêjina (beijina) é uma vagem; uma botelha é uma abóbora; uma blancia é uma melancia; uma figota é um figo grande e o feminino em geral aponta para coisa maior, mais «gorda», sei lá qual a razão para isso… as admito que possa ter a ver com a largura dos corpos femininos sobretudo nas aldeias; uma sardêra (cerdeira) é uma cerejeira.
Comer pão seco é comer pão sem nada lá dentro: sem acompanhamento fosse de carne ou de queijo… o contrário é comer o pão com conduto, ou seja, comer o pão com algo lá dentro a acompanhar. Não imagino o porquê da palavra «conduto» neste contexto…
Ser farneto ou farneta é ser feroz, remexido… Farneta é a pessoa que se mostra sempre muito agitada, muito combativa. Penso que a palavra virá do vocábulo «frenético» numa transformação popular habitual.

Os Jogos que jogávamos em crianças
Há 12 anos publiquei no «Capeia» uma síntese do que eram os nossos jogos principais quando andávamos na Primária. O Largo de São Francisco era como sempre o palco maior destas brincadeiras, mas em qualquer lado se jogava à tchôna ou se brincava com o arco… Leia, por favor:
Ponho-me a olhar para trás. As imagens são muito claras, mas não muito diversificadas. Os jogos da nossa meninice eram um bocado monótonos. Mas tem piada que na altura achava-lhes piada. Deixo aqui alguns exemplos de jogos: uns masculinos, outros femininos.
Futebol
A loucura. Podia andar seis ou sete horas seguidas a jogar com a malta. Qual comer, qual quê? Sempre a abrir.
Ao pião
Jogar ao pião. Toda a gente sabe: enrolar bem a baraça, soltar o pião com muita garra e acertar no do adversário ou simplesmente deixá-lo rodopiar o «mais tempo» possível.
À chôna
Jogar à chôna (leia tchôna). Duas pedras com intervalo no meio, um pau pequeno em cima das duas, uma «belharda» (pau grande), levantar a chona e… zás, trancada na chona no ar para o mais longe possível. A distância mede-se em bilhardas.
Andar «de» arco
Assim mesmo: andar «de» arco. Esse era um desporto bem popular: uma roda feita de arame ou ferro miúdo, bem redondinha é o arco e uma gancha para impulsionar o arco e já está… Correr com aquele «zingarelho», o mais rápido possível: era esse o objectivo.
Às escondidas
«Jogar às escondidas». Não tinha nada que saber: um de nós, à vez e conforme o resultado do jogo anterior, punha-se de «pivot», cabeça baixa sobre uma esquina de casa ou um banco do Terreiro de São Francisco. Dava o grito de guerra e os outros, ala que se faz tarde: toca a esconder por ali. Uns segundos para a operação de esconder. O «pivot» desatava logo à procura e ganhava quando os encontrasse a todos… Às vezes andava horas seguidas nisto, ali, num olival ao pé de casa!
À brôcha
(Leia: «À brôtcha», jogar à brôtcha.)
Um coloca-se de cara escondida e de mão no rabo (palma para cima, de modo a poder ser massacrada). Os outros, um deles e só um de cada vez, vão-lhe mandando uma palmada a sério. Aleijava mesmo. Tratava-se de descobrir quem é que tinha batido, por entre os risinhos mal contidos, tanto mais fungados quanto mais dura tinha sido a palmada. Mas em geral era jogado em silêncio, para camuflar o autor da palmada…
Dos jogos femininos, lembro estes três exemplos:
A cantarinha
As miúdas punham-se todas em fila, de costas umas para as outras e iam andando e atirando para a parceira de trás um vaso (uma cantarinha, um pequeno cântaro de barro, já nem sei se com ou sem água. Mas sei que, sendo de barro, era naturalmente um objecto muito frágil que não aguentava a queda – se a houvesse –, e havia tantas…).
O anel
Põem-se todas numa roda, sentadas, mas viradas para dentro. Estendem as mãos em concha. Uma vai andando por dentro, com o anel nas mãos justapostas e passa com as suas mãos por dentro das mãos de cada uma. Num par de mãos deixou o anel. Pára. Pergunta a uma ao acaso: «Onde está o anel.» Acerta, vai ela para o centro. Não acerta: a outra continua.
O lenço
Muito semelhante ao jogo do anel, também sentadas. Mas a que tem o lenço nas mãos e o vai deixar circula por fora da roda e deixa-o atrás de uma. O resto é igual.
Obrigado por me ler! Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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