Estou sempre cheio de belíssimas recordações da minha infância e juventude na minha aldeia. Aqui vão hoje mais alguns apontamentos desses tempos áureos. Leia e divirta-se, como eu me regozijo com estas memórias tão simples…
Recordando o Dr. Rosa
Recordo muitas vezes esta sentença sábia em noite de passeio com o Dr. Rosa, filho mais velho do Sr. Joãozinho Rosa.
Publiquei esta historieta pela primeira vez no meu blogue «LisboaLisboa», em Agosto de 2006. É assim:
«À beira de entrar para a Faculdade de Direito, passei muitas noites a passear com várias pessoas jovens e sempre acompanhados do Dr. Rosa, que nos ia industriando em algumas coisas importantes da vida de Lisboa e não só.
Percorríamos aquele quilómetro e tal da estrada que serve de rua principal da aldeia até lá em cima ao sítio exacto de onde se avistam os píncaros da Serra da Estrela. E era ali que se parava e se trocavam ideias e larachas.
O Dr. Rosa era o nosso mentor. Um deles, vá lá. Mas talvez o mais insistente e mais importante desse tempo das nossas vidas. Quem era o Dr. Rosa? Um licenciado e professor de História. Tinha feito Histórico-Filosóficas na Clássica de Lisboa e era muito conceituado entre nós. Muitos anos mais tarde, viria a ser Secretário Regional de Educação dos Açores, num dos últimos governos de Mota Amaral.»
«Calçam o mesmo número»…
Dizia eu nessa publicação que a estória que ia contar aconteceu numa dessas noites, logo a seguir a sabermos que Salazar caíra da cadeira. Estávamos em Setembro de 1968. Nessa exacta noite, soubemos que lhe sucedia Marcelo Caetano. Íamos nós pela estrada fora, parámos no mesmo sítio de sempre, onde se começa a ver a Serra da Estrela. As estrelas já lampejavam. E pergunto-lhe eu, que daí a uns dias devia dar entrada na Faculdade de Direito de que Marcelo deixava agora de ser Director, e isso interessava-ma mais a mim do que aos restantes jovens:
– Dr. Rosa, como é que este é? – Resposta pronta dele:
– Calça o mesmo número. A forma é que é diferente…
(Nota: na palavra «forma», aqui, a primeira sílaba lê-se fô. Os sapatos eram feitos no sapateiro com uma «fôrma».)
Esta «sentença» ficou-me para sempre. Aquele professor de História não podia ter descrito de melhor forma a situação. E todos os futuros lhe deram inteira razão. Calçava de facto o mesmo número. Mas os sapatos eram de outra «forma»…
Agora, alguns vocábulos típicos do Casteleiro
Publiquei há vários anos no «Viver Casteleiro» algumas palavras que adorava ouvir quando era miúdo e, ouvi-as todos os dias, a toda a hora. Ora veja:
– Irvais (por ervagem, penso) – lameiro, pasto para os animais.
– Lapatchêro (por lapacheiro,acho, seja lá o que for: não encontro no dicionário) – lamaçal, água entornada no chão.
– Gatcho – cacho de uvas (trata-se apenas de uma corruptela na pronúncia: o abrandamento de consoantes, de c para g neste caso, é muito frequente na linguagem popular).
– Pintcho – fechadura.
– Cortelho – pocilga, local onde permanecem os animais (chamo a atenção para o seguinte: no Minho, pelo menos, chamam «corte» – leia-se côrte – às pocilgas. Ora, pela proximidade de Castela, a nossa palavra «cortelho» pode resultar de um diminutivo de corte – o que em castelhano se escreveria, hipoteticamente, «cortello»… Sei lá…).
– Sampa – tampa de uma panela (esta é muito boa…).
– Azado, azadinho – jeitoso (leia o primeiro «a» aberto, como se tivesse um acento: «àzado».
– Cotear – usar muito.
– Frintcha – abertura estreita.
– Cote – uso. Mas há duas expressões antigas com piada: o fato dos domingos era o fato domingueiro, o da semana era o «da cote». Leia «dà cóte» e faça sorrir os seus mais velhos lá de casa.
– Limbelha – metidiça, que quer saber tudo (ponho no feminino porque era mesmo usado só para as raparigas e para as mulheres).
– Atchaque – maleita, doença
– Assêqui (esta é muito bem apanhada) – dizem que, parece que, consta (de: «Eu sei que», acho).
– Pantchana – enrascado.
– Delido – desfeito (por exemplo, um peixe quase podre está mesmo «delido»).
Gostou de ler? Eu adoro estas coisas bem genuínas, bem populares…
Obrigado por me ler! Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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