A posição adotada pelo Supremo Tribunal de justiça (STJ) no processo judicial que envolve juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa como arguidos principais foi, até agora, alvo de três decisões contraditórias originando um imbróglio jurídico que se arrisca a pôr em causa a sobrevivência do famoso caso «Operação Lex».

Na verdade, o imbróglio jurídico em que se têm enredado, até hoje, os juizes do STJ na apreciação deste processo da Operação Lex arrisca-se a ficar conhecido, segundo algumas fontes do mundo do direito, como o caso do «Supremo Tribunal de Justiça contra o Supremo Tribunal de Justiça contra o Supremo Tribunal de Justiça».
Efetivamente, a equipa de conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça já tomou, entre 2021 e 2023, por três vezes, de forma contraditória sobre a mesma questão, a saber: qual é afinal o tribunal competente para julgar este caso que envolve, entre outros arguidos, os ex-juízes Rui Rangel e Fátima Galante, além do juiz desembargador Luís Vaz das Neves (ex-presidente da Relação de Lisboa) e Luís Filipe Vieira (ex-presidente do Benfica).
Como começou a Operação Lex?
A Operação Lex começou a ganhar visibilidade pública no dia 30 de janeiro de 2018. Foi nessa data que, além da detenção de cinco arguidos implicados neste caso, foram realizadas buscas judiciais às casas de Rui Rangel, Fátima Galante e outros arguidos amplamente difundidas pelos media.
Mais tarde, veio a saber-se que, além das suspeitas de corrupção – que passavam nomeadamente por uma alegada venda de decisões judiciais –, estava igualmente em causa uma alegada manipulação dos sorteios de juízes do Tribunal da Relação de Lisboa – matéria que envolve o juiz desembargador Luís Vaz das Neves e o seu sucessor na presidência do Tribunal da Relação – o juiz desembargador Orlando Nascimento. Com a exceção deste ultimo juiz desembargador, que foi alvo de uma certidão para um inquérito autónomo, foram acusados pelo Ministério Público 17 arguidos no dia 18 de setembro de 2020 pela prática de um vasto conjunto de crimes, designadamente de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, abuso de poder e falsificação de documentos.
O processo foi distribuído para instrução a 12 de maio de 2021, ou seja, quase um ano depois do referido despacho de acusação deduzido por uma equipa do Ministério Público liderada pela procuradora Maria José Morgado.
Apenas sete arguidos optaram por recorrer deste despacho de acusação para o Supremo Tribunal de Justiça: o arguido Luís Filipe Vieira (ex-presidente do Benfica), Fernando Tavares (vice-presidente do Benfica), Jorge Rodrigues Barroso (advogado de Luís Filipe Vieira) Otávio e Elsa Correia e Rita Figueira (ex-mulher de Rui Rangel) e o seu pai.

Primeira decisão do STJ
Ora, aconteceu que o juiz conselheiro do STJ, Sénio Alves, designado para apreciar estes recursos, decidiu tomar uma decisão polémica que deu origem a um primeiro imbróglio jurídico, ao ordenar a cessão da conexão dos factos do processo em curso e a sua consequente separação, ficando apenas sob a jurisdição do STJ os crimes relacionados com o juiz desembargador Luís Vaz das Neves e atuando este tribunal superior como tribunal de instrução de criminal para apreciar as matérias relativas aos crimes atrás mencionados.
Recursos interpostos desta decisão
Entretanto, o procurador do Ministério Público Vítor Pinto e a defesa dos referidos arguidos Octávio e Elsa Correia, intentaram recurso da referida decisão de Sénio Alves no próprio STJ. Isto porque, sendo matéria recorrível, a mesma tinha de ser apreciada no mesmo tribunal superior, visto que é a mais alta instância do sistema judicial português.
Segunda decisão do STJ
Estes recursos foram distribuídos ao juiz conselheiro Cid Geraldo, que não tendo qualquer dúvida em dar razão aos recorrentes num acórdão datado de 24 de fevereiro de 2022, resolveu tomar duas decisões:
a) decretou a nulidade da decisão do Juiz conselheiro Sénio Alves; e,
b) determinou a ida dos autos na íntegra para julgamento no Supremo Tribunal de Justiça.
Esta decisão transitou em julgado ainda em março de 2022. Ou seja, em linguagem jurídica, verificou-se o caso julgado. Isto quer dizer que a matéria deveria ter ficado decidida e encerrada.
Terceira decisão do STJ
Todavia, assim não aconteceu e o imbróglio jurídico deste caso judicial não ficou por aqui.
Efetivamente, o juiz conselheiro António Latas, juiz relator do tribunal coletivo de julgamento no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a quem foram distribuídos os autos da Operação Lex decidiu num acórdão proferido neste mês de março de 2023 dividir o caso em dois processos:
– O primeiro destes processos mantém-se no STJ e apenas terá como objeto os crimes imputados ao juiz desembargador Luís Vaz das Neves e a outros co-autores dos mesmos ilícitos. Em termos práticos, isto significa que apenas os seguintes factos serão julgados no Supremo Tribunal de Justiça: a) os crimes de corrupção passiva e o abuso de poder imputados ao juiz desembargador Vaz das Neves e a outros arguidos em regime de co-autoria: a Rui Rangel (ex-juiz desembargador), a Otávio Correia (ex-funcionário da Relação de Lisboa) e a José Santos Martins (advogado e alegado testa-de-ferro de Rui Rangel); b) o crime de corrupção ativa imputado a José Veiga, alegado corruptor do juiz desembargador Luís Vaz das Neves;
– Por sua vez, um segundo processo irá correr pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e abrangerá todos os restantes crimes imputados ao ex-juiz Rui Rangel, à sua ex-mulher, e também à ex-juiza desembargadora Fátima Galante e aos restantes 14 arguidos, entre os quais Luís Filipe Vieira (ex-presidente do Benfica).
Em termos formais, o conselheiro António Latas fez, por consequência, cessar a conexão processual que permitia que todos os factos da Operação Lex fossem julgados no mesmo tribunal.
Dito isto, não será de espantar que novos recursos a interpor pelas partes do processo relativamente a esta decisão do juiz do STJ, António Latas, acabarão logicamente por vir ao processo invocar a violação do caso julgado da anterior decisão do juiz conselheiro Cid Geraldo acima referida – o que, a suceder, irá acarretar a nulidade da decisão de António Latas…
E o imbroglio jurídico irá prosseguir, não se sabe até quando.
Pior ainda. Este imbróglio pode vir a ter efeitos profundamente nefastos no destino final deste caso da Operação Lex que, como decorre do atrás exposto, tem por objeto os alegados crimes acima enunciados que, a serem provados, colocam em causa o bom funcionamento dos Tribunais e indiciam a existência de eventuais ligações perigosas de magistrados judiciais com figuras conhecidas do mundo do futebol.
Na verdade, está em causa a sobrevivência da própria Operação Lex que, como foi público e notório, provocou, logo após a sua divulgação pública, um verdadeiro sismo no Tribunal da Relação de Lisboa e levou inclusive o então presidente do STJ, juiz conselheiro Joaquim Piçarra a afirmar que as suspeitas existentes contra os implicados neste caso punham «em causa um dos pilares do Estado de Direito», isto é, a própria Justiça.
Escusado será dizer que este estranho ziguezaguear do Supremo Tribunal de Justiça, a mais alta instância do sistema judicial português, não augura nada de bom para o futuro do nosso Sistema de Justiça.
O mesmo se poderá eventualmente vir a temer do resultado final da Operação Marquês (processo em curso desde 2014 em que é acusado o ex-primeiro ministro José Sócrates) caso a prescrição de alguns dos crimes que lhe são imputados possa vir a confirmar-se já no decurso do próximo ano de 2024.
Mas o melhor mesmo é esperar pelo desenvolvimento dos próximos capítulos destes dois casos.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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