José Luís Avisado foi pároco de Sortelha entre 1845 e 1897. O Mestre de Latim, no ano de 1855 tornou-se, também, professor do ensino elementar. Um dia apaixonou-se por Maria Joaquina, sua ex-aluna, de quem teve uma filha e a quem doou todos os seus bens em testamento pela força do seu terço! (Parte 3 de 3.)

(Continuação)
Mas a vida continua…
Tibureia sucedeu-lhe no cargo de professora do ensino elementar, exercendo a profissão até 1936, mas necessitava de uma criada para prestar assistência ao pai, até porque já planeava casar. A notícia propagou-se rapidamente! À porta bateram vinte e uma jovens interessadas de doze, treze, catorze e quinze anos. Servir em casa de gente rica significava uma melhor alimentação, ter alguma roupa apresentável e alguns tostões. A escolha recaiu sobre Guilhermina, de quinze anos, uma exposta de que o próprio padre fora padrinho de batismo e que estava a servir em casa de Maria Gabada e Serafim da Fonseca, um casal de expostos. Avisado tinha um especial carinho pelas crianças da Roda, até perdeu a conta às vezes que foi padrinho. Esta família era da confiança do padre, não faltavam à missa dominical e confessavam-se regularmente, a menina foi certamente educada no respeito pela doutrina Católica.
A miséria alastrava na região. A maioria dos pobres dependia das poucas famílias ricas, da ajuda da Santa Casa da Misericórdia e da generosidade da Câmara Municipal, que empregava os capazes de exercerem uma profissão como informadores, guardas rurais, zeladores, estafetas, oficiais de diligências, estanqueiros do tabaco, cobradores dos impostos, depositário dos Expostos, Rodeira, Amas e outros serviços temporários como reparação de caminhos.
No dia 22 de Fevereiro de 1898, Tibureia casou, na Igreja Matriz de Sortelha, com Bernardino Pé do Chão, de trinta anos, filho de José Carlos Pé do Chão, Visconde de Tristandos, e Maria Joaquina da Silva, que viviam na quinta da Ribeira Seca, mais conhecida por quinta dos Tristandos, nas proximidades da Bendada; quanto à nubente, consta no assento de casamento número 4, do dito ano, que tinha 26 anos, filha de Maria Joaquina e de pai incógnito! O Vigário Encomendado, Agostinho Pereira, preocupou-se em dignificar o bom nome do ainda Vigário Colado. Atribuir uns anos a menos a uma jovem até ficava bem!
O casamento implicou subir mais um degrau na hierarquia social! Antes do noivado o povo conhecia-a por Reia, agora passou a Reinha, uma síntese de Rei e Rainha. Razões para tal não faltavam! Esta família passou a dominar a vida política e social da Vila. Durante décadas os serviços da administração local civil e religiosa tiveram à disposição a ampla sala do rés-do-chão. As paredes estavam pintadas de branco, um armário enorme preenchia todo o lado Norte, guardava os livros de registos paroquiais e mais tarde do Posto de Registo Civil, que aí funcionou entre 1911 e 1926 e para o qual Bernardino foi nomeado Oficial. Neste ano os respetivos livros foram transferidos para o Posto do Sabugal.
Em 1936 foi nomeado Regedor, cargo que exerceu até 1957. Atendia os fregueses na sua secretária, em cima um candeeiro a petróleo para os dias mais sombrios, nas gavetas guardava os documentos, uma resma de papel, tinteiro e caneta para uso corrente; na retaguarda um crucifixo e um quadro com a imagem de Salazar.
Os segredos estavam protegidos a sete chaves!
Entretanto, José Luís Avisado faleceu de vida presente em 27 de Dezembro de 1899, sendo sepultado no cemitério de Sortelha.
Com a deslocação da família para a Vila, diminuiu o interesse por Ribeira Seca. Então, o Visconde, preocupado com o abandono das terras, enviou um requerimento à Câmara Municipal de Sortelha solicitando a criação de uma coutada, mas esta não deixou porque a quinta não era murada!
Tibureia e Bernardino tiveram apenas uma filha, Benvinda da Ressureição Avisado Pé do Chão. Em 13 de Agosto, sexta-feira, de 1919, aos vinte e um anos, casou com João Todobom do Casteleiro. A cerimónia ocorreu na Igreja de Nossa Senhora das Neves, na presença da alta sociedade local. Finda a celebração, os noivos acompanharam o padre José Gonçalves Sapinho para assinarem o Assento de Casamento:
– Deseja adotar o nome do seu marido?
Perante a hesitação o padre Sapinho insistiu:
– Decida-se.
Após um breve olhar entre os noivos, respondeu:
– Então fica como está.
Se adotasse Todobom chamar-lhe-iam «Maria Homem», apesar de não ter o nome Maria; se optasse pelo feminino seria «Todaboa» e não faltaria pagode nas ruas e tabernas da Vila. Sim, nestas terras ninguém está imune à praga das alcunhas!
«Todaboa» e Todobom foram felizes e tiveram um filho, André Avisado Pé do Chão Todobom.
Porque tinham posses enviaram o filho para Lisboa estudar, licenciou-se em Engenharia Civil no Instituto Politécnico de Lisboa e não quis voltar para a província.
Tibureia faleceu na vila do Sabugal aos setenta e três anos, em vinte e quatro de Julho de 1941; enquanto Bernardino continuou a dominar a vida política de Sortelha até 1957, falecendo em vinte e nove de Setembro de 1964, aos noventa e seis anos.
Em 1965 toda a família emigrou para Lisboa. Viver na Capital significava proximidade aos grandes hospitais e aceder aos médicos mais conceituados. Quando se chega à terceira idade os cuidados com a saúde são muito importantes.
Como a casa sobradada ficou fechada, André, com receio que lhe faltasse o pé, vendeu por uma tuta-e-meia o recheio ao antiquário Ria Alca do Fundão. Assim se perdeu o rasto de um vasto e valioso património de Sortelha!
Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, Todobom e Todaboa sentiram-se inseguros na capital e decidiram regressar no próprio dia, falecendo num trágico acidente de viação em Vila Velha de Ródão.
(Fim)
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Advertência
Todo o conteúdo é pura ficção! Apesar de inspirar em fatos reais, referir nomes e locais verdadeiros, qualquer coincidência com a realidade é mera casualidade.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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