É sempre com agrado que o bom filho a casa volta. É sempre com agrado que visito a terra onde nasci, na esperança de encontrar quintos que andaram comigo na escola, já que à inspecção militar poucos se apresentaram. (Parte 1 de 2.)

Ao exame da 4.ª classe feito no Sabugal com o professor Cavaleiro comparecemos 24. Se lhes juntarmos os que ficaram para trás ou não terminaram a escola, seriam uns 40 os da minha idade. Entre eles o Balecho, o Cabucho, o Carrapato, o Catarnocho, o Chino, o Cigarrega ou Bochinho, o Cigarri, o Cuco, o Feijão, o Ginginha, o Ginjo, o Jagão, o Marosca, o Melgas, o Necha, o da Patota, o Presas, o Ruvino, o Sono, o Sordo, o Valente e o Terrá. Mas também lembro alguns que andavam mais adiantados, como o Badaneco, o da Baré, o Birrão, o Bivindo, o Buche, o Bumbana, o Calote, o Comaites, o Fanhinha, o Farrenheiro, o Home das Bichas, o Lhalhão, o Masmas, o Paquico, o Pardido, o Parente, o Pepe, o Pingão, o Rafono, o Riclano, o Rompe, o Ronha, o Sapateiro, o Sisso, o Tomba Lobos, o Vida Alegre e o Vinagre. Ou mais atrasados, como o Candajo, o Caroça, o Ranhau, o Pucheireiro e outros mais.
Mas também gosto de rever outros, alguns dos quais já não vejo há mais de cinquenta anos, isto é, desde que eu emigrei para Lisboa e eles para França, como o Bexigo, gente do Bô, os Caixeiros, o Carrapatinho, o Chancha, o Choino, o Fã, o da Fatoco, o Garrano, o Gero, o Lavai, o Maja, os do Marreta, o Manhonho, o Marocho, o Mocho, o Musgo, o Nano, o Nina, o Padece, o Palola, o Pancadas, gente do Paposeco, o Paragueiro, o Patacão, o Patata, os da Patchinha, do Pepe, o Perricho, o Piroco, o Pitagala, o Próprio, o Rabeco, gente do Rambóia, o Ranilhas, gente do Ratatau, o Réqué, o Restelo, o Rompe, o Salau, o Tchebé, o Tonhinho, gente do Zé sem Pernas, gente do Zé Tchebinho, o Zorro, e uns quantos mais, só dentre os que conheci por alcunhas.
Ou ainda as Bajés, Binas, Chão e Chachão, Marzabéis, Sórreição, Zabéis, Fraciscos, Jãos, Jés, Balhés e Baleles.
Infelizmente, muitas vezes já não encontro nenhum desses conhecidos, quer porque emigraram, quer porque a ceifeira os levou, sem que disso tivesse conhecimento.
Em Quadrazais, como certamente na maioria das aldeias, quase ninguém era conhecido pelo seu nome de família, mas sim por alcunhas já herdadas de pais, avós ou trisavós. Muitas eram as alcunhas correntes e ninguém se zangava com isso. Outras, porém, eram consideradas ofensivas e ninguém gostava que lhes chamassem tais nomes, que eram apenas usados para identificar ausentes das conversas.
Até mesmo das que eram toleradas, hoje muitos não gostam de as ouvir, o que torna o convívio mais difícil por não conhecer os seus verdadeiros nomes. Mesmo dizendo os nomes, tenho de lhes perguntar as alcunhas para poder identificar seus pais ou avós. O facto de quase todas as pessoas serem apenas conhecidas pelas alcunhas constituía uma dor de cabeça para os carteiros saberem onde moravam determinadas pessoas. Aqueles perguntavam pela morada do destinatário da carta e o interlocutor traduzia o nome para a alcunha e lá lhe indicava onde morava. Até que obrigaram a colocar nas cartas a morada com o nome da rua e número de porta e nas casas o número de porta, substituindo outras numerações mais antigas, de que ainda restam exemplares, que deviam ser preservados.
Mas também há quem adiante a alcunha quando não me lembro do seu verdadeiro nome.
Na página 76 do 1.º volume da minha obra «Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais», apresentei todas as alcunhas correntes dos quadrazenhos, num total de 210, não indicando a quem eram atribuídas, já que todos conhecem a quem se referem. Muitos dos que eu citei, já não existem porque morreram ou não tiveram descendentes que herdassem a alcunha. Já as havia apresentado, juntamente com as ofensivas, estas num total de 106, na minha tese de licenciatura: «Quadrazais – Etnografia e Linguagem.»
É muito provável que muitos destas alcunhas se tenham transmitido de uma a outra terra por casamentos entre pessoas oriundas delas.
Já Nuno de Montemor, no seu livro «Maria Mim», apresentou uma pequena lista de alcunhas de quadrazenhos, juntamente com nomes de família. Cito apenas as alcunhas: Tonhinhos, Balechos, Birrão, Bombana, Cabecho, Candajo, Chana, Charico, Chibinho, Cigarri, Cigarrega, Cotilhas, Fossursa, Gaguéis, Gázio, Inco, Jagões, Lavai, Leco, Manais, Manhonhos, Marrocho, Marosca, Mim, Messotes, Nita, Pachinhas, Palolas, Pancadas, Paparão, Patotas, Pechau, Pedoa, Pedornas, Peringueiro, Perricho, Rafonas, Ranilhas, Ratataus, Rebeco, Robinos, Rompes, Salau, Tatona, Tonchos, Xanes, Caçoila, Caguinha e Erre.
O próprio nome do romance – (Maria) Mim – foi um nome verdadeiro de quadrazenha. Várias vezes ouvi a minha avó falar da ti Mim. Mas hoje já não existe.
E ainda estes que também já não existem: Bexigau, Catranocho, Chanças, Charranas, Charriante, Chique, Febre, Marmãs e Palhim.
Creio que escreveu alguns como os ouviu de alguém ou houve erro de grafia por parte da editora: Bexigau por Bexigo, Catranocho por Catarnocho, Marmãs por Masmas, Fossursa por Fossura, Nita por Nina, Tonchos por Tronchos, Xanes por Chanas e Marrochos por Marochos. Ele escreveu Bombana o que eu escrevi Bumbana, como se pronuncia em Quadrazais.
Algumas alcunhas são comuns a outras terras, sobretudo a Vale de Espinho, dadas as transferências entre terras por casamentos ou outras razões. É o caso de Chaparrinho, Catalino, Rata, Farnheira (Farrenheira), Forneira, Ché, Manana, Musga, Parrecho (em Vale de Espinho Parreco), Espanhol, Febra, Bina, Chancha e Lavai, este originário de Quadrazais.
(Continua.)
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«Lembrando o que é nosso», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014.)
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