Perdeu a esposa faz dois meses. Os filhos já crescidos e com as suas famílias dão o apoio que podem. Ela era o pilar da família. Sabia conduzir os assuntos do dia a dia como ninguém. O casamento era longo, o que parecia que nunca acabaria. Mesmo havendo desacordo, a paz prevalecia sempre. Os hábitos foram-se construindo com o tempo e de repente tudo acabou.

Os filhos bem tentavam convencer o pai a recorrer a apoio psicológico. Principalmente no duche chorava, aproveitando as gotas da água que o procurasse acalmar. Mesmo o barulho da água a cair insonorizava o sentimento de desespero.
Nesta vida há mesmo situações que não têm remédio, e a nossa cabeça, pode ficar com «danos».
Ao longo do tempo a angústia ia aumentando. Até que um dia a filha foi visitá-lo. Não se lembrava do seu nome. Depois o dia, a data, apenas o nome da falecida.
Ficou estático, com uma dor no peito. Apenas olhava para a rapariga e não conseguia dizer nada. «Paizinho, temos de ir ao médico.»
O médico não a trazia de volta. E medicamentos para dormir, já os tinha.
A situação foi piorando com o tempo. Por vezes chorava, procurando o nada. Sentia a saudade.
O filho mais velho um dia aparece de surpresa. Sabia que tinha de ser duro com o pai. Obrigou-o a vestir-se decentemente, deitou fora aquele pijama com semanas, e teve de ser forte para não quebrar ao ver como o pai se encontrava.
Foram a um médico. Era um senhor praticamente da sua idade. Sorridente, queria-o apenas ouvir.
«Claro que sim, não o vou drogar. Quero apenas conversar. A conversa é importante para nos ajudar.»
O problema do homem era trazer a mulher de volta.
«Aparentemente é impossível, mas talvez haja uma solução.»
Uma simples frase pô-lo a pensar. Pensar. Algo que já não fazia faz tempo.
Aos poucos a conversa foi evoluindo. Notava-se muito desequilíbrio emocional, mas o médico nunca o alarmou.
«Gosta de ler?»
De facto, era algo que o casal fazia muito. E tinham o hábito de conversar um pouco sobre o livro. Tinham gostos totalmente diferentes, o que para evitar discussão acabava por dizer que sim só para agradar a mulher.
Com calma, o médico receitou-lhe um medicamento. Apenas um.
O paciente até se espantou: «Tem a certeza?»
Claro que sim. Encare este comprimido como uma ajuda, um conforto. Vai ver que o seu humor vai mudar.
Saiu com o filho tendo outra disposição. Foi à livraria e comprou um livro que a esposa adorava.
«Pai, já lá tens esse livro. Porquê comprá-lo?»
O outro era da mãe. E ela ciosa das suas coisas. Aquela podia riscá-lo. Adorava escrever apontamentos nos livros que lia.
Com algum custo habituou-se ao medicamento. Mas na verdade sentia-se mais confiante e a dor da perda parecia que a conseguia controlar.
O livro ajudou muito. E ao contrário do que esperava até gostou. Já conseguia «ver» a esposa sem a dor que tinha.
O tempo foi passando, começou a conviver na biblioteca com outras pessoas e um dia.
Entrou num grupo de leitores e começou a entender que um livro tem várias perspectivas. Sentiu pena de não alimentar as tertúlias com a mulher.
Até que um dia escreve lhe uma carta. Enrola-a num ramo de flores e coloca-a na campa.
Passado uns dias recebe um telefonema da filha:
«Parabéns Pai. Que linda carta. Foi publicada no jornal, com grande critica do jornalista. Ainda vais ser um grande escritor!»
Como foi possível isso. Foi comprar o jornal. E de facto, lá estava a reportagem. O jornalista num funeral apanhou-a do chão e achou-a muito interessante.
O título do artigo era: «O verdadeiro Amor, nunca acaba!»
E foi com esta «aventura» que acabou por descobrir o caminho de uma vida mais sã, sempre ao lado da sua amada.
Estivesse, onde estivesse!
Centralidade do Mussungue, 30 de Julho de 2022
:: ::
«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2018.)
:: ::
Leave a Reply