:: :: GEORGINA FERRO :: :: No primeiro episódio das «Histórias da Memória Raiana» o António Emídio «apresentou-nos» a família do Luís do Sabugal quando este se preparava para ingressar no Outeiro de São Miguel. Na «quinta temporada» a Georgina Ferro conta-nos que finalmente chegou a carta do Pepe… (Capítulo 5, Episódio 6.)
:: :: :: :: ::
HISTÓRIAS DA MEMÓRIA RAIANA
Capítulo 5 – Episódio 6
:: :: :: :: ::
FINALMENTE CHEGOU A CARTA DO PEPE
Passaram dias, semanas e um mês, dois meses e a Xão sem verdadeiras notícias do seu Pepe. De vez em quando vinham chamá-la dos correios para ir ao telefone… que era de Lisboa. Só ela sabia que não era o marido, mas sim o cunhado a fingir dar notícias. Até a guarda já não aparecia tão amiudamente a perguntar por ele.
O Ti Pepe era dos poucos homens da «sua igualha» como se diz por aqui, ou seja, era o único dos seus quintos que tinha aprendido a ler e a escrever «como é dado». E dois meses passados da sua abalada, chegou no saco do correio da camioneta da carreira, uma longa carta com selos de França. A Ti Conceição ria e chorava ao mesmo tempo quando lhe chegou, lá bem atrás, a carta passada de mão em mão pelas pessoas que tinham ocupado um lugar mais à frente. Ela só via a letra que já conhecia. Não esperou por mais nada e correu para sua casa onde o Chico ficara tão ansioso quanto ela.
Já uma chusma de gente lhe entrava porta adentro e ainda estavam a começar a ler:
«St. Pièrre Limoges, 15 de Novembro de 1953
Minha querida mulher, filhos, pais…»
Uns pensavam que o Ti Pepe teria morrido lá para Lisboa, outros que estaria de regresso já curado, outros tentavam adivinhar o que viria naquela carta. E o corredor estava apinhado de pessoas amigas enquanto os da família tinham agarrado numa cadeira e sentado junto da Xão e dos filhos.
E O Chico ia lendo folha atrás de folha as mil peripécias da viagem do Ti Pepe e do seu Amigo Zé, que não sabia escrever, mas prometia ditar uma carta para enviar na volta do correio a toda a família.
Pedia ao Chico que falasse com o Padre Luís Manso ou com o Padre António da Ti Maria do Enxido, ou mesmo com o Padre Zé da Ti Neves do Ti Júlio, para saberem o que era preciso para o filho entrar no seminário, pois o primeiro dinheiro que arranjasse seria para ele ir cumprir a promessa que havia feito a Deus. Se ele visse que não tinha vocação podia sair logo assim que o entendesse, mas se não viesse a ser um bom sacerdote que fosse ao menos um bom professor, advogado ou coisa que o valha.
E a carta acabava a dizer que já estavam a tratar dos papéis e duma «carta de chamada» para toda a família. Isso iria demorar muito, porque eles estavam numa barraca e não havia casas disponíveis onde pudessem ficar em família. Teria de ganhar algum dinheiro primeiro e depois de ter os papéis ia pedir uma casa da fábrica.
Enviava cumprimentos para os pais, vizinhos, parceiros, amigos e para todos sem esquecer nenhum dos amigos que perguntassem por ele.
P.S. Tinham recebido, cada um, dez francos adiantados para as primeiras despesas, mas tanto ele como o Ti Zé tinham guardado cinco francos para pôr a Nossa Senhora dos Milagres em agradecimento da Sua protecção.
Depois de todos terem abalado de sorriso aberto, pois na aldeia, a alegria de um era a alegria de todos, o Chico foi lendo, em voz alta, vezes sem conta aquela carta, enquanto a mãe punha na cama os filhos pequenos, se sentava ao lume a acabar as meias que andava a fazer… Por fim, mandou o filho para a cama e ela levou a carta para colocar debaixo da sua almofada!…
:: ::
Georgina Ferro
:: :: :: :: ::
Os episódios das «Histórias da Memória Raiana» são escritos semanalmente por um autor diferente. Participaram na «primeira temporada»: António Emídio, Fernando Capelo, José Carlos Mendes, Ramiro Matos, António José Alçada, Franklim Costa Braga, António Martins, António Alves Fernandes, Joaquim Tenreira Martins, Georgina Ferro e José Carlos Lages.
Nesta «quinta temporada» a Georgina Ferro conta-nos que finalmente chegou a carta do Pepe…
Total de episódios publicados: 41.
Apesar de fazer referência a nomes e lugares verdadeiros da região raiana dos territórios do Sabugal esta é uma obra de ficção e qualquer semelhança com nomes de pessoas, factos ou situações terá sido mera coincidência (ou talvez não!)
José Carlos Lages
Bem conheço estas histórias pois a minha Família também as viveu!