E assim continuariam os tempos, decorrendo calma e serenamente, não fosse a situação financeira das Associações estar cada vez mais degradada, fruto da conjuntura mas e também muito, fruto do subfinanciamento que o Estado dedica aos Corpos de Bombeiros, completado com financiamentos municipais e receitas próprias das Associações que na situação atual não chegam para as encomendas.

Os fogos florestais agora fogos rurais passaram a ser da esfera de combate dos Corpos de Bombeiros por volta de 1975, quando começaram a ser considerados um problema, uma vez que até aí apenas o eram se atingissem áreas florestais públicas, que as privadas estavam limpas devido à utilização na agricultura dos matos e excedentes da floresta.
Os Bombeiros passaram a combatê-los… porque sim! Porque começaram a ser mais frequentes, para ajudar as populações; porque, na aflição era a quem se recorria.
E na aflição, começaram a recorrer aos vizinhos; Era o Comandante do Corpo de Bombeiros local que chamava CB’s vizinhos, e por isso se sentia na obrigação de os tratar como «visitas»; fornecer apoio logístico, desde combustível a eventuais reparações, que as viaturas eram velhas, até ao mais importante que era a alimentação, porque sem comer… «ninguém sai daqui».
O Estado foi aproveitando, foi adaptando, e foi dando uns rebuçados. E os bombeiros aceitaram, aderiram, e por arrasto as Associações, já que, quando de dinheiro se trata, tem que passar por estas.
E assim se foi andando, com adaptações de todos os lados, sem que os bombeiros percebessem o «fosso» onde se metiam. Nunca conseguiram forçar o Poder a plasmar em papel (diga-se lei) a verdadeira competência dos Bombeiros e o papel das Associações no processo. Foi sempre… «porque é costume»; «porque sempre foi assim».
Até que, quando se percebeu que algo tinha de ser feito para regulamentar o sistema aproveitando a «manta rota» que continua a ser o conjunto de Associações e CB’s, criou um Serviço Nacional de Proteção Civil e o pôs a «tutelar» os Bombeiros. Com elementos dos próprios CB’s (pelo menos no início). Nomearam-se «experts» saídos dos Bombeiros, que viram longe e perceberam que uma lei um pouco ao lado lhes daria a possibilidade de criar algo onde eles próprios teriam guarida (ou emprego, se quiserem, na gíria conhecido por «tacho»). E assim os próprios (alguns) bombeiros criaram e remodelam um Serviço Nacional de Proteção Civil que pôem a tutelar todos os Bombeiros, mas que os Bombeiros não querem. Estranho parto.
Não sei se me consigo explicar bem que isto é confuso, mas desculpem, é a minha visão.
E as Associações (que em tempos formavam um todo com o Corpo de bombeiros) foram aceitando, embora nalguns casos a perceber que se estava a criar uma dualidade Associação / Corpo de Bombeiros, onde os Estatutos deixam de valer e se subjugam às normas da ANEPC-Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.

E em 2021, em sede de nova remodelação, é publicado o Decreto-Lei 82/2021, que «estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as suas regras de funcionamento» e, por acaso, em nenhum dos seus vastos artigos refere as Associações que agora se chamam «Entidade Detentora de Corpo de Bombeiros». Atribui competências às mais variadas Entidades, e no seu artigo 19.º descreve as competências dos Corpos de Bombeiros:
«Artigo 19.º
Âmbito de intervenção dos corpos de bombeiros
No âmbito do SGIFR, os corpos de bombeiros:
a) Realizam atividades de supressão de incêndios rurais;
b) Garantem o socorro às populações;
c) Pré-posicionam meios de resposta, sob coordenação da ANEPC;
d) Suportam as autarquias na verificação de segurança de equipamentos de proteção e socorro sob gestão municipal;
e) Apoiam ações relativas à prevenção, designadamente a realização de queimadas, mediante disponibilidade;
f) Apoiam o sistema de gestão de operações com pessoal com qualificação física, psíquica e técnica reconhecida.»
Curioso será referir que no artigo 9.º, sobre as competências da GNR, algumas são executadas «a pedido da ANEPC», quando no caso dos bombeiros é «sob coordenação da ANEPC», frase que muitos CODIS entendem como «sob comando da ANEPC».
No entanto, a DON (Diretiva Operacional Nacional), que normalmente nem era distribuída às Associações/direções, a não ser através dos Comandos, alarga o âmbito do decreto referido e atribui competências às EDCB-Entidades Detentoras de Corpos de Bombeiros:
«(1) A EDCB da área onde decorre um incêndio, providenciará o apoio logístico indispensável à sustentação das operações de combate aos meios terrestres das diversas entidades integrantes do DECIR, presentes no município ou nos municípios adjacentes, de acordo com a Diretiva Financeira da ANEPC;
(2) Logo que um incêndio evolua, implicando um reforço adicional de meios para além dos presentes no município e nos municípios adjacentes, o COS, através da EDCB local, desencadeará o processo de envolvimento do SMPC, para apoio logístico mais diferenciado às forças de socorro e entidades técnicas envolvidas, de forma a garantir a sustentação das operações de combate;
(3) O apoio logístico indispensável à sustentação das operações de combate dos GRIF, GRUATA, CRIF, FEPC, UEPS é garantido pela EDCB da área onde decorre o incêndio com o apoio do SMPC.»
Ou seja, à revelia da legislação em vigôr, a ANEPC «impõe» às EDCB uma função que legalmente não é da sua competência, mas que tradicionalmente sempre aceitaram e cumpriram com maior ou menor dificuldade, mas sempre na tentativa de fazer o melhor possível.
Para além de que, segundo a própria DON «a ANEPC, através dos CDOS, solicita formalmente, junto de cada Entidade Detentora do Corpo de Bombeiros (EDCB) informação quanto à disponibilização dos recursos humanos e materiais, para a efetiva montagem do dispositivo, através de documento de aceitação». Alguns CODIS consideram que essa aceitação é da competência dos Comandos, ignorando por completo as direções das EDCB, únicos representantes desta de acordo com a lei e os estatutos.
Há CODIS que só sabem o número de telefone dos Presidentes de Direção quando o fogo aperta e é necessário alargar o âmbito da necessária logística. Quando o normal seria estar a ativar o Serviço Municipal de Proteção Civil, cuja competência, embora desconhecida para nós, deverá ir além de ostentar coletes identificativos para ter livre trânsito no teatro de operações.
É neste contexto que dentro de dois dias se inicia a fase mais crítica de incêndios rurais, quando a ANEPC ainda não repôs às EDCB todas as despesas de 2020 e de 2021, e está ainda a pagar recálculos de despesas com combustíveis.
Mas continua a exigir às EDCB que adiantem dinheiro que não têm, e que o Estado, incumprindo o que o próprio define, pagará «quando der jeito».
O «empurrar com a barriga» de muitos anos trouxe-nos até aqui, até ao ponto em que o próprio PRR prevê, para equipamento de proteção individual, cerca de 2600 euros por cada elemento envolvido no DECIR, e por cada bombeiro apenas 300 euros.
Há, para além da inércia, mais fatores, nomeadamente sociais, que levam a que as EDCB se vejam compulsadas a «aceitar o estado de coisas», mas, se nada de diferente for feito rapidamente sujeitam-se a estar um dia, não longínquo, sozinhas, no lugar do Comandante Arnaut. E quem provoca a situação continuará a «assobiar para o lado» colhendo os louros de de algo que tenha corrido melhor.
Não basta a Liga dos Bombeiros Portugueses descobrir que «há um nó para desatar», o nó (que são os Bombeiros) que suporta o socorro e a própria ANEPC. Há que, em conjunto, descobrir como desatá-lo, obrigando quem nele se suporta a equilibrar-se sem esse apoio. Não fosse o nó feito de tantos fios individuais e se pudesse desatar em conjunto, e o respeito da tutela pelos Bombeiros seria outro.
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Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro… [Aqui]
Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (2022)… [Aqui]
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A pré-inscrição para a «escola de bombeiros» pode ser feita… [Aqui]
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«A vida do Bombeiro», opinião de Luís Carriço
(Presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Sabugal.)
Concordo completamente com o que escreve. Um artigo de opinião que devia ser lido atentamente por muitos responsáveis nos bombeiros. Parabéns!