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Página Principal  /  Guarda • Jarmelo • Opinião • Terras do Jarmelo  /  Perco receios e ganho coragem
22 Junho 2022

Perco receios e ganho coragem

Por Fernando Capelo
Guarda, Jarmelo, Opinião, Terras do Jarmelo fernando capelo 3 Comentários

Cheguei e já a tarde esmorecia. Achei só e encurtado o largo que, em tempos, vi grande e povoado. Enfim, dispõe agora de algum movimento, sobretudo no Verão, com a vinda dos emigrantes. Porém, hoje, nada. Ninguém se atrevia ao calor. Nem um pássaro piava.

«As aldeias estão entregues ao demo e ninguém nos vale!»
«As aldeias estão entregues ao demo e ninguém nos vale!»

Da desembocadura de uma estreita quelha, num perfeito imprevisto, surgiu uma silhueta curvada, de passada curta e lenta. Parecia carregar em si toda a solidão do mundo. Era a Emília Trigueira que se abeirava para cumprimentar:

– Boas tardes nos dê Deus. Então hoje por cá? Já há muito que não vinhas!

Na verdade, o muito, seria cerca de oito dias. Mas a quietude também faz perder a noção do tempo. E a anciã acrescentou:

– Desviei por aqui. Senti o rosnar de um carro e vim espreitar. Ontem, à tarde, passou uma carrinha velha. Hoje, de manhã, o portão de ferro da Antónia já tinha voado. Há por aí uma malandragem! As aldeias estão entregues ao demo e ninguém nos vale!

Afastou-se, de seguida, lenta e persistentemente e eu tratei de estabilizar a chegada enquanto a tarde se apagava.

Sem demoras, o lusco fusco fez-se negro. Iniciei, então, a subida da aldeia pelos mornos da noite procurando recordações em todos os recantos, até nos menos iluminados.

Caminhei, pois, na rua vazia. A noite cheirava a rescaldos quentes e eu desmaiava saudades em passos imprecisos. De repente, parei frente à casa da Trigueira.

O céu estrelava-se em astros dispersos e a lua escondia-se numa nuvem mais espessa. Foi quando senti um chiar estranho. Paralisei, por momentos. Passei a mão pela cabeça. Fitei o chão por instantes e quando levantei o olhar vi que a obsoleta janela da Trigueira, empenada de velhice, se ia abrindo e rangendo. A decrépita madeira de carvalho opunha-se aos puxões da idosa, que empunhava, na mão direita, um arrocho. Entre o temor e a afoiteza a vetusta personagem investigou o exterior pela abertura e disparou num guincho feminino:

– Quem anda aí?

A pergunta quase me assustou. A boca abriu-se-me mas não falei de imediato. Primeiro respirei fundo e só depois, ainda mal reposto, deixei tremer a voz que seguiu na noite escura:

– Então não me conhece?

– Ah, sim. Agora já. É que depois do roubo do portão da Antónia todos os vultos e todos os barulhos me parecem estranhos. Metem-me medo e, por isso, guardo, por perto, esta tranca. Com ela na mão, perco receios mas ganho coragem.

:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2011.)

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3 Comments

  1. Rui Loureiro Trindade Responder
    Quarta-feira, 22 Junho, 2022 às 16:06

    Fernando, importante relato de vilas e idosos abandonados. Seria bom se governos federais e municipais estimulassem os jovens que queiram morar em aldeias, já que trabalhos remotos por internet provaram ser eficientes. Esse caminhar solo é muito forte, me lembro uma noite andando por Rio de Mel e meu calçado fazia um barulho que ecoava pelas ruas desertas.

  2. Maria Ramos Responder
    Quarta-feira, 22 Junho, 2022 às 13:35

    Belíssimo texto que nos reporta a tempos idos que não voltarão mais mas que urge recordar

  3. Graciosa Responder
    Quarta-feira, 22 Junho, 2022 às 8:43

    Bom dia. Parabéns ao autor. Que bonito texto, Obrigada

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